POR SEANE MELO

Uma mina que (d)escreve putaria

Catherine M. Lembro que, logo que comecei com esse lance de escrever contos eróticos, um amigo me surpreendeu com uma crítica pesada. – Porra, eu gostava dos teus textos, mas agora tu só escreve sobre as tuas aventuras sexuais. Arregalei os olhos. Mas, no fundo, achei bem feito. Lembrei de um curso de literatura erótica […]

Catherine M.

Lembro que, logo que comecei com esse lance de escrever contos eróticos, um amigo me surpreendeu com uma crítica pesada.

– Porra, eu gostava dos teus textos, mas agora tu só escreve sobre as tuas aventuras sexuais.

Arregalei os olhos. Mas, no fundo, achei bem feito. Lembrei de um curso de literatura erótica que fiz há alguns anos e do professor me perguntando sobre a diferença entre Catherine Millet e Reinaldo Moraes. Reinaldo Moraes era o meu deus, na época. Mas o professor quis me empurrar para uma resposta objetiva. Ai, sabe, tem uma coisa nas mulheres que escrevem pornografia que me incomoda. Me incomoda pra caramba esse lance de diário. É tudo relato!

Olha, tem certas opiniões das quais a gente se arrepende, viu?

Escolhi um vestido preto muito apertado. Confesso que não gosto muito de roupas apertadas. Mas, nessa noite em especial, era isso que eu queria vestir. Procurei pela calcinha de renda preta e ensaiei alguns passos de dança no espelho gigantesco do meu quarto. Sempre uso uma boa calcinha em primeiros encontros, ainda que eles nunca pareçam ligar pra isso. E, agora, quando penso nisso, lembro do idiota que já rasgou uma delas quando foi tirar todo afobado. Eu juro que quase mandei parar e levei ele até a porta do apê. Deixa pra lá. O lance é que eu tava empolgada. E a calcinha ajudava. Não sei se porque só uso renda quando quero transar e meu corpo associa, mas eu já umedecia só de pensar nas promessas do moço.

Fiquei um tempinho pensando nas partes da conversa que eu mais tinha gostado. Eu sei, eu sei. Parece que as pessoas repetem o mesmo disco no sexting. Vou te chupar, quer me chupar?, vou te comer gostoso blá blá. Mas, se tem uma coisa interessante nisso tudo, é observar a ordem da coisa toda. Ele já começou dizendo que ia me deixar roxa. Achei uma estratégia arriscada. Podia ter dado muito errado. Mas, na maior parte das vezes, eu me amarro numa roubada. Hum… Bater o pau na minha cara? Abafei um riso de desdém, mas decidi encarar. Esse tem cara de quem tem a mão pesada.

Olhei-me no espelho em dúvida se colocava algum batom e reparei naquele brilhinho safado no olhar. Dentro de mim, uma voz começou a me censurar. Não sei como você ainda se anima, menina.

A verdade é que só a Pornopopéia do Reinaldão, gosto de chamar ele assim, já me deixava bem triste com as minhas experiências sexuais. Já repararam que, volta e meia, alguém enfia o dedo no cu de alguém no meio das transas que ele escreve? É meio cômico, mas também acho que sexo bom deveria ter esse componente de sair do controle. De ter alguém que dedilha o cu alheio na primeira oportunidade. Não é que eu tenha essa fixação com o cu, não é isso. Mas, no duro, se eu fosse descrever minhas transas, daria para fazer como a cobertura jornalística de um evento. E não uma cobertura à la Hunter S. Thompson, nem, tampouco, parecida com o Foster Wallace cobrindo uma feira agrícola em Illinois (Ficando longe do fato de já estar meio que longe de tudo). Seria aquele texto de assessoria mesmo:

Na noite da sexta-feira (21), a jornalista Eu Mesma e o estudante Carinha Qualquer participaram da Primeira Relação Sexual do Casal, em São Luís, durante a qual trocaram breves carícias orais, executaram o tradicional papai e mamãe, bem como a posição conhecida como “de quatro”.

O objetivo dessa primeira relação, segundo a jornalista, era desenvolver um pouco mais a intimidade e preparar o terreno para futuras transas. “Nesse primeiro momento, nosso objetivo não era exatamente o gozo e o aproveitamento máximo do momento. Mas, depois dessa experiência, estamos prontos para discutir posturas mais ousadas”, declarou.

O coito aconteceu na casa do estudante e foi acompanhado de um rápido lanche em um estabelecimento vizinho. A expectativa é de que mais iniciativas como essa aconteçam ao longo do mês.

Dou uma espiada no relógio. Já escovei os dentes, já terminei a maquiagem, já me calcei e até me perfumei. E nada de chegar uma mensagem dele avisando que está a caminho. Começo a ficar aflita. Não é possível, mano! Decido procurar alguma coisa no Netflix para me distrair enquanto o atrasadinho não chega. Assisto um episódio inteiro de Ru Paul’s Drag Race e nada do infeliz dar as caras. Tenho a ideia de verificar se ele postou nas redes sociais e o vejo comentando um jogo de futebol.

– Ainda tá de pé hoje? — envio a pergunta no privado.

Dou mais uma olhada nas minhas redes e verifico se alguém poderia quebrar meu galho. Ah, deixa pra lá. Acho que dá até azar marcar outra transa assim.

Pego no sono maquiada e com a calcinha enfiada na bunda. Essas calcinhas nunca são confortáveis. Acordo praguejando a olheira de rímel e amargando a sexta-feira. Penso no amigo que me censurou pelos “relatos sexuais” e não consigo evitar um sorriso agridoce. Vou verificar as horas no celular e percebo que o boy mandou mensagem.

– Putz, gata, esqueci

No duro, se eu dependesse desses caras para escrever, a maior aventura sexual da minha vida seria ganhar um oral de mais de 10 minutos.

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