Ontem, eu perdi meu fone de ouvido

E quem visse a minha cara, não poderia acreditar que o motivo era o desaparecimento do fone de ouvido que utilizo para correr. Tudo bem que correr sem música é chato, mas eu estava acompanhada de outras duas amigas e todos poderiam concordar que não era nada tão grave assim. Mas _e isso talvez seja uma das características dos pequenos acontecimentos_ a ausência do fone despertou em mim uma verdadeira torrente de pensamentos.
Não faz uma semana que voltei para São Luís. E mal fazem 15 dias que consegui respirar fundo e me ver livre de setembro, um mês que tenho chamado carinhosamente de o pior mês da minha vida. Eu sabia que esses tempos seriam difíceis, mas difícil é pouco perto do que eu desconfiava do que realmente seria. O que ajudou foi uma dormência que me acometeu. Uma vontade de não me debater, não sofrer pelo sofrimento inevitável, não resistir, só continuar, sem pensar muito, sem sentir demais. Eu não planejei ter essa postura, mas acho que, em algum lugar do meu cérebro, alguma parte de mim achou que uma pessoa como eu só conseguiria sobreviver razoavelmente sã dessa forma. Deu certo.
Sexta, eu cheguei em casa, para onde eu voltei depois de ter terminado o mestrado e de ter passado mais quatro meses em São Paulo, tentando resolver minha vida com algum emprego. A sensação podia ser de derrota _e em parte é, mas não foi a derrota do orgulho, foi a derrota de um certo sonho_, mas o que eu sentia ao pensar em casa era alívio. Segunda-feira, eu voltei a treinar. Comecei um treino novo, na praia, com amigos, para me motivar e para me lembrar do quanto eu gosto de trabalhar o meu corpo e desenvolver novas habilidades. Ontem, eu consegui um emprego.
E, ontem, também, eu perdi meu fone. Porém, terça, eu tinha perdido minha carteira de motorista (já encontrada). E segunda, eu tinha perdido minha identidade e meu cartão de crédito (também já localizados). Até terça, eu achava que tudo estava se ajeitando. Que era normal perder uma coisinha aqui e outra ali, pois eu ainda não tinha gavetas na minha nova casa. E, desde que cheguei _não faz nem uma semana!_ eu não tinha parado de acompanhar minha irmã e minha mãe em saídas e tinha tido tempo apenas para arrumar de uma forma temporária as minhas roupas. No entanto, a perda do fone de ouvido assumiu um tom muito mais dramático.
Frustração. Se eu pudesse resumir esse desaparecimento que durou apenas umas 12h, eu resumiria nessa única palavra. Antes dele sumir, eu achava que estava apenas cansada e que o relaxamento viria com o tempo. Até porque, se eu tivesse que fazer algo para relaxar, nesse ponto em que cheguei, até isso seria exaustivo. Mas o fone de ouvido que não apareceu, me abriu os olhos para algo que eu tenho contornado de todas as formas: eu não tenho ideia do que estou fazendo. Eu não tenho ideia do que tenho que fazer.
Tenho que ganhar dinheiro? Tenho que estudar? Estudar o quê? Agora é a hora de ler os livros que sempre quis e adiei por tanto tempo? Agora é a hora de investir meu tempo na internet para me sentir menos alheia a todas as novidades da minha área profissional e do mercado de trabalho? Agora é a hora deu aprender como desenvolver a minha escrita e pensar melhor no conteúdos que gosto e quero produzir? Eu não tenho a resposta para nada disso. Achei que ela chegaria em algum momento quando as coisas fossem se assentando. Mas as coisas não parecem se assentar. E isso é tão desesperador para mim!
O problema é que o desespero também parece ter sido amortecido. E, ontem, quando perdi o fone, senti que se não rasgasse o véu que segura esse desespero, continuaria perdendo tudo, todo dia, até me perder por completo. As linhas desse texto continuam a serem escritas porque é nele que pretendo encontrar o meu gatilho para sofrer, para chorar.
Quando percebo que os meus amigos não sabem de quase nada que está se passando na minha vida, percebo que foi devido ao fato de, mesmo querendo dividir, o simples fato de falar sobre isso com alguém me parecia perigoso demais. Talvez fosse o passo que faltava para que eu caísse no abismo da autocomiseração, vai saber. O problema é que toda vez que alguém que costumava ser presente demais na minha vida (ou simplesmente as pessoas que me seguem no Snapchat) me perguntava “o que tá acontecendo?” ou “e agora?”, eu sentia um mal estar gigantesco por ter me afastado tanto assim. Desde que voltei para a casa da minha família, tenho pensado que o primeiro passo deveria ser fazer o caminho de volta e reduzir as distâncias.
Mas, ontem, eu perdi meu fone de ouvido. E isso me disse o quanto eu me afastei de mim.