POR SEANE MELO

O final que faltava

Finalmente decido abrir a última caixa com as coisas que trouxe comigo. Não espero encontrar você, não espero encontrar ninguém. Não espero nada demais. Para ser bem sincera, só abro a caixa porque preciso de um instalador que pode estar perdido entre as fotos que não tive coragem de descartar e os papéis que um […]

Finalmente decido abrir a última caixa com as coisas que trouxe comigo. Não espero encontrar você, não espero encontrar ninguém. Não espero nada demais. Para ser bem sincera, só abro a caixa porque preciso de um instalador que pode estar perdido entre as fotos que não tive coragem de descartar e os papéis que um dia podem voltar a ser importantes.

Vou retirando a proteção tosca que improvisei para os livros, quando escuto os primeiros cliques dos estilhaços de vidro.

Ele entra no meu quarto e para de frente para o quadro. Lê ou observa, não sei.

Fico constrangida, mas não sei se devo interromper. Me arrependo de ter escrito aquelas linhas e ter transformado em quadro. É só uma poesia boba e brega, em uma colagem de mau gosto, da qual eu muito me orgulhava até aquele momento.

Ele se vira para mim.

– Onde eu posso deixar meu casaco?

– Onde posso te beijar?

Vou retirando os livros com cuidado para não enfiar o dedo em algum caco de vidro ou para não pressionar algum papel contra a superfície perfurante. Me revezo entre glorificar a genialidade de transportar um objeto frágil com mais de 15 kg em livros e pensar que esse era o final que faltava.

Você entra no meu quarto e senta na minha cama. Não repara no quadro pendurado em meio ao mar de branco das minhas paredes. E, quando penso nisso, ao mesmo tempo em que constato que já cortei o dedo, imagino que comentário idiota você teria feito.

“São Paulo quer me ver pelada”, você leria e levantaria a sua sobrancelha esquerda como quem diz: sério?

Ele senta na minha cama e, com o olhar, vasculha todo o meu quarto. Olha os post it que escrevi para te superar. Agora sim, quero morrer. E prometo, mentalmente, nunca mais escrever nada nas paredes. Ele ri das mensagens motivacionais fitness, dá de ombros para algumas mensagens mais nerds, mas parece gostar de tudo e ignorar a mensagem que eu escrevi para você: junte os seus pedaços no lugar.

Estou juntando os pedaços. É só o que tenho feito nos últimos meses. Estou juntando tudo. Tanto que nem sei se todos vêm do mesmo lugar. Mas a frase está errada. Não há um lugar certo para eles. Junto todos os cacos na caixa de papelão e varro o caminho para que ninguém mais se corte.

Ele me diz que tem uma frase para a minha parede, que vem de uma música. Então canta para mim que…

Tudo é uma questão de manter

A mente quieta

A espinha ereta

E o coração tranquilo.

Digo que vou anotar e aproveito para rasgar o post it que me diz para lembrar das partes ruins. Onde anotei que você fazia piada dos meus textos e demorava para juntar os cabelos do ralo do chuveiro.

Retiro o quadro quebrado da caixa e fico encarando a superfície danificada. Não consigo deixar de achar bonito. É bonito que as coisas se acabem assim. Que você e ele e o João e São Paulo tenham feito isso comigo. Me acho boba por ter tentado carregar algo, ter tido o trabalho de despachar, de acertar o endereço, mas não ter tido o cuidado de proteger, de resguardar.

Encaro os rasgos, amassados e os versos cada dia mais bregas. Sou eu! E não haveria um final mais perfeito para nós. Minto, é um final perfeito para mim. Nessa história sobre os meus sentimentos. Sobre os sentimentos que eles me fizeram sentir. Mas que senti só.

Prefiro que acabe com um quadro estilhaçado. Que com uma mensagem que não vem. Ou um booty call futuro. Ou um último like em alguma foto de perfil. Prefiro que acabe com essa superfície danificada que com:

Tá.

Ou um emoji qualquer.

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