POR SEANE MELO

O bom é o que eu concordo (mas ainda não sabia)

O bom é o que eu concordo (mas ainda não sabia) *clap clap clap* Desde o meu último texto aqui, comecei a sentir uma certa vergonha de escrever. De repente, senti que precisava simplesmente parar de produzir e dedicar um tempo para olhar ao redor e ler o que outros tinham a dizer. Não consigo organizar […]

O bom é o que eu concordo (mas ainda não sabia)

*clap clap clap*

Desde o meu último texto aqui, comecei a sentir uma certa vergonha de escrever. De repente, senti que precisava simplesmente parar de produzir e dedicar um tempo para olhar ao redor e ler o que outros tinham a dizer.

Não consigo organizar muito bem o meu tempo para ler tudo o que eu gostaria. E a internet sempre me deixa um pouco aflita com a diversidade de produtos sobre o mesmo assunto que ela pode fornecer. Mas decidi não tornar esse momento de dedicação ao outro como um sacrifício e apenas marquei algumas coisas do Medium que me pareciam interessantes (como o texto sobre a garota do MasterChef Jr.) e, porque não?, textos de amigos.

Hoje, li dois desses textos que tinham sido marcados e dei duas recomendações. Mas o que me faz escrever agora é que, antes de apertar o pequeno botão do coração, eu pensei mais de duas vezes sobre se deveria fazer aquilo.

Uma recomendação, para além de um elogio ou apoio ao autor, hoje também é uma medida de sucesso, que poderá ser convertida em capital econômico. Todos querem reconhecimento na internet (mesmo que seja só entre os seus pares) e, nossos perfis, longe de serem pessoais, cada vez assumem mais as características de mídias. Não no sentido de ambientes ou espaços interação e circulação. Mas no sentido antigo, aquele implícito na expressão “grande mídia”: de um falando pra muitos. Recomendar alguém, então, me parece que, antes de dizer “eu gosto dessa discussão” ou “isso também me interessa”, diz “eu sou sua audiência”. E é por isso que eu andava com tanto receio de executar essa ação.

Exatamente hoje, fui ler um texto que trazia um discurso feminista. Tenho um pé atrás com a minha capacidade de leitura crítica desses textos. Pois, ao mesmo tempo em que me identifico automaticamente com as questões, carrego aquela ranzinzisse de quem já leu muitos textos sobre o assunto e acha frequentemente que é mais do mesmo ou, principalmente, que traz uma reflexão incompleta.

“Tô pensando em um texto novo pro meu medium”

Eu fiz mestrado e, na academia, uma reflexão está sempre incompleta. Faz parte do nosso trabalho de relatores/pareceristas de trabalhos, inclusive, apontar os buracos, as brechas e os novos caminhos da reflexão. Mesmo quando o trabalho parece bem resolvido, quebramos a cabeça para pensar no que aquele autor ainda poderia fazer. Já saí bem assustada de congressos em que, após apresentar meu trabalho, não recebi dúvidas ou não fui confrontada em relação ao que eu tinha de fato feito e me proposto a fazer, mas em relação ao que poderia ser feito com aquele mesmo tema (às vezes me sugeriam, por exemplo, metodologias que nem se aplicavam aos problemas que eu queria explorar no objeto).

Estou falando disso tudo porque isso tem a ver com o meu embaraço em escrever na internet. Acho que meus textos são superficiais. E, algumas vezes, já foram diretamente criticados por isso. Quando recebia esse tipo de crítica, me sentia frustrada, mas alguma voz na defensiva vinha me consolar dizendo:

mas eu não queria escrever um ensaio científico/filosófico sobre isso!

A internet nos diz que qualquer um pode escrever. Mas não é qualquer um que consegue ser lido. Pois quando subimos no palanque do editor de texto online, não se espera que apenas compartilhemos uma experiência ou uma reflexão sobre aquele minúsculo aspecto da questão (coloque aqui a sua). É esperado que, de alguma forma, você prove porque você merece ser lido: seja porque sabe o que a sua audiência pensa e quer ler, seja porque é muito engraçado, seja porque conseguiu fazer uma reflexão para além do senso comum — se você não tenta provar suas credenciais, você corre o risco de sempre se sentir um farsante.

Esse texto não foi escrito para criticar “os outros”. Esse crítica é para mim. Hoje eu li um bom texto sobre feminismo e pensei que até eu, em toda a minha superficialidade, poderia ter escrito aquele texto. E isso quase me impediu de recomendá-lo. Apesar de eu concordar com tudo o que era dito — e uma das grandes críticas ao conteúdo consumido na internet é que as pessoas só consomem produtos que dizem o que elas já concordam — , o fato de não trazer nenhuma informação de que eu não tivesse conhecimento anterior, quase me impediu de o reconhecer como o que ele é: um bom texto (talvez até mais que isso).

Quando decidi que ele merecia mais uma recomendação, decidi não como uma forma de louvar a superficialidade e as reflexões parciais. Mas como uma forma de parar de pensar as produções espontâneas como um exemplo de competição por influência, fama e dinheiro. Para tentar lançar um olhar mais empático para a pessoa que escreve. Não sei se todos estão dispostos a fechar o editor de texto e revezar lugares com o leitor. Mas vamos tentar desvincular informação de capital. (E eu sei que é sonho). Vamos mudando aos poucos, vamos começar!

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