
Chegou em casa meio desconfiada e visivelmente incomodada. Tinha ficado assim o caminho todo, desde que saíram do museu. No entanto, o problema não era o museu ou as amigas, mas o que tinham dito e a carapuça que tinha servido. Foi Simone, talvez Marília, que comentou algo sobre mulheres que não se conheciam, que nem se olhavam. Falavam de uma exposição de fotos de vaginas, agora lembrava, e apesar de concordar com o absurdo da coisa, só então se deu conta de que ela mesma, Maiara, raramente se masturbava e nunca se olhava no espelho.
Trancou a porta ainda meditando sobre isso, sem querer ceder ao impulso de ir ao banheiro tirar a roupa e abrir as pernas. Sabia que resolveria tudo: uma mão puxava prum lado, a outra na direção oposta, a buceta descortinada e pronto, já não seria mais uma mulher incompleta. Mas, temerosa, hesitava, não podia ser simples assim. Talvez precisasse mais do que simplesmente se olhar no espelho. Não parava de pensar na vez em que Bruno pediu para vê-la na webcam. Tinham combinado de falar putaria naquele dia e os dois estavam explodindo de tesão, ela tocava siririca quando ele fez o pedido.
Foi a primeira vez que se viu, no quadradinho no canto direito da tela, toda aberta, o dedo só um borrão se movendo pra lá e pra cá. O pau dele ocupava o resto da tela, todo borrado e pixelizado, preferia ao vivo, pensava. Naquele mesmo dia, Bruno pediu que se masturbasse de quatro, com a bunda virada pra ele. Concordou receosa, sofrendo por não ter depilado o cu, mas torcendo para a qualidade da câmera não deixar passar tantos detalhes. Bruno dizia que era a coisa mais linda que já tinha visto, Maiara se tocava aliviada por não poder encarar o combo “cuceta” na tela. Homem gosta de cada coisa!
Sempre pensava isso quando elogiavam sua buceta e mudava logo de assunto, porque odiava que os homens mentissem no sexo. E só podia ser mentira, a despeito da ilustração que exibia na parede do quarto — um ato político, tinha dito pra mãe — não acreditava que sua buceta pudesse ser bonita, não ela. Também não achava que ela devesse ser avaliada esteticamente, era como era e pronto, defendia apesar de sempre fechar os olhos e esconder as mãos embaixo da bunda envergonhada quando algum homem, algum olhar, se detinha entre suas pernas.
O incômodo que sentira há pouco, agora era uma vergonha do tamanho de uma bola de meia engatada na sua garganta. Não podia continuar assim, tinha que se olhar, se conhecer mesmo, saber se era torta, e talvez fosse já que o xixi sempre saía torto, saber quais eram as cores, as texturas, os cheiros e as secreções. Se tomasse coragem também olharia o cu, não devia ter muita coisa pra ver ali, mas não custava tentar. De repente lhe ocorria que negar aquele conhecimento, era continuar negando o seu desejo.
Era verdade que, ultimamente, se sentia meio morta, sem desejo pra nada. Achava que tinha a ver com o fim do rolo com Bruno. Tinha se acostumado a fazer seu desejo orbitar em torno da existência dele, mas agora estava acabado, finalmente admitia que com ele não tinha futuro.
Maiara tinha começado a se despir, encarando o espelho do banheiro, quando jurou ouvir uma voz abafada. Cadê você? Olhou para todos os lados alarmada, checou se a porta do banheiro estava trancada, porém tudo parecia dentro dos conformes. Deve ter sido impressão, concluiu antes de desabotoar a calça jeans.
Tirou toda a roupa, subiu em cima do vaso sanitário e apoiou uma perna na pia para se ver melhor. Com cuidado, foi abrindo os lábios da buceta, atenta a todos os detalhes. Quando se viram cara a cara e Maiara fitou sua amiga antiga, a buceta falou:
“Menina, cê é muito sumida!”, reclamou cordialmente, como se a felicidade de vê-la fosse maior que a vontade de se queixar da ausência.
Maiara não se desequilibrou por pouco, incrédula, decidiu examinar a buceta. Ela parecia a mesma de sempre. Uns cabelos tinham crescido na proximidade da virilha, mas não havia marcas ou sintomas que indicassem qualquer problema, pelo menos por fora. Posicionou as mãos para abri-la novamente, mas, antes, lhe ocorreu que talvez fosse educado avisar antes. Agora que a buceta tinha falado, parecia simplesmente impróprio se meter assim.
“Oi?”, arriscou. “Hm…érr, tá tudo bem com você?”, Maiara não sabia muito bem como conversar com a buceta.
“Vim aqui perguntar exatamente a mesma coisa, sabe?, ela rebateu séria.
“Como assim?”
“Miga… Posso te chamar de miga, né? Então, é que fazem uns meses já que… nada, entende? Não teve pau, não teve siririca e você não me olha, nunca conversa comigo! Eu tenho necessidades…”, a buceta confessou meio constrangida e murcha.
“Nossa”, Maiara ainda tentava processar tudo aquilo. “Desculpa, cara! Eu não sabia que você ficava mal assim, quer dizer, também sinto falta, mas é que…”
“Ainda tá tentando esquecer aquele cabra safado, é?”, censurou. “Miga, deixa esse cara de lado, a gente só escolheu o cara errado. Não tinha como saber também, né?”
“Eu sei que cê tá certa, mas…”
“Mas nada, miga! Lembra daquele dia que o pau dele tava fedendo? Nossa, pior dia da minha vida!”
Maiara começou a rir.
“VOCÊ SENTIU? Nossa, naquele dia tava zoado mesmo, mas foi só naquele dia, também não era sempre, vai…”
“Tá falando isso porque você colocou na boca só por um minutinho e deu uma desculpinha, quem teve que aguentar o pipoco fui eu, né? Nessas horas, eu queria falar só pra sugerir pra você dar o querido daí de trás”
“Mas gente!”, Maiara tentou censurar a buceta, sem conseguir esconder que achava graça.
“Mas, sério, volta e meia fico me perguntando porque cê não saiu mais com o Fernando. Tão melhor o pau, a língua, até o dedo. Eu penso nele e já me dá água na boca, sabe?”, disse e Maiara jurou que podia ver um sorrisinho entre seus grandes lábios.
“O Fernando foi legal, né?”, concordou, se lembrando da viagem pra Campo Grande.
“Bom, e se não tiver aquele Fernando, com certeza devem existir outros por aí! Só de pensar fico toda excitada. Ontem mesmo tava pensando nisso…”, confessou a buceta.
“Que horas cê pensou nisso?”
“De madrugada, não lembra?”
“Será que foi por isso que sonhei putaria?”
“Não foi sonho, menina, a gente quase gozou”, a buceta deu uma piscadinha marota “O problema é que você sempre acorda antes”.
Maiara ficou em silêncio, encarando um azulejo qualquer do banheiro, enquanto a buceta continuava olhando-a do espelho.
“O que eu faço?”, Maiara pediu conselho.
“Põe uma roupa, um batom, escolhe uma musiquinha sensual, sabe? Aquele cara da voz grave, gosto dele”.
“O Leonard Cohen? Pode crer”, Maiara balançava a cabeça em concordância.
“Daí é só sair, beijar na boca, se puder sarra um pouquinho também que tô precisando, enfim, aproveita a noite”, incentivou.
Maiara pegou o celular e escolheu uma playlist, sensualizou no chuveiro e brincou com a ducha. Se vestiu como gostava, ao som de Like a Virgin, caprichou na maquiagem e no perfume, entrou no carro e seguiu o caminho que o Waze recomendava até o barzinho indicado na foto que Fernando tinha postado há trinta minutos no Instagram.
Enquanto terminava de calçar o salto no carro, Maiara se perguntava se a foto não era velha. E se fosse um #tbt? Se já tivesse ido embora? Conferiu o batom no retrovisor e desceu do carro. A buceta mordiscava a calcinha de renda animada. Só posso estar louca.
Espero que você tenha chegado até aqui com a certeza de que essa é uma interpretação literária da música Loka, de Simone e Simaria, com participação de Anitta. Esse trabalho, assim como outros três contos inspirados em letras de feminejo, fazem parte do e-book Ao vivo em Goiânia: quatro contos de patroa que acabo de publicar. Não podia deixar de compartilhar um pouco desse trabalho, aqui, na Mulheres que escrevem!
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