
Fazia tempo que não me sentia tão desanimada com sexo. E não tem a ver com o ciclo hormonal e essas coisas, nem com o fato de a minha frequência de transas ter aumentado consideravelmente depois que eu e o Jefferson começamos a sair. Fiquei evitando buscar uma explicação pra isso porque desconfiava que a resposta não ia me deixar feliz, mas uma ideia não sai da cabeça: só tive dois tipos de trepadas em toda a minha vida. Sabe, duas categorias em que daria para eu enquadrar todas as minhas fodas. Fiquei procurando um nome que desse conta dessa oposição e a primeira coisa que me veio à mente foi “sexo em um relacionamento” e “sexo casual”. Mas seria equivocado dividir as experiências assim, porque, na real, não é de um status de relacionamento que se trata. Acho que tem mais a ver com relações de poder.
Não sei se dá pra entender. Pra mim, existem as fodas equilibradas ou, por que não dizer, democráticas. Aquelas em que todos são iguais perante as roupas jogadas no chão e o espelho de teto do motel. Todos têm direito a receber prazer e a experimentar o famoso sexo-com-significado. Como mulher, tenho direito a um homem que me ame, me deseje, perdoe minhas estrias e confie nas condições higiênico-sanitárias da minha buceta. Como parte desta relação sexual equilibrada, tenho o dever de me preocupar com o prazer do outro e desejar, sobretudo, agradá-lo. Por que isso tem a ver com amar e tudo.
Desde o início, as fodas equilibradas eram o meu ideal, o que eu buscava e a única forma que imaginava de ser feliz no sexo. Mas, de certa forma, confesso que a democracia das transas me decepcionou. Me desapontou como as democracias desapontam quando se finge que não há disparidades e privilegiados, sabe? Dá até uma bad tocar nesse assunto depois do golpe, quer dizer, impeachment. Enfim, no início, o que me deixava maluca era isso de querer mais o prazer do outro. Ele jurava que só queria me dar prazer, eu dava qualquer coisa pra ouvi-lo gemendo e nenhum dos dois chegava a lugar nenhum. Não sei com vocês, mas esse lance de orgasmo sincronizado nunca rolou comigo. Se ele gozava primeiro, gozava resignado. Não consegui segurar, justificava envergonhado sem me saber vitoriosa. Se o contrário, me sentia menos mulher e experimentava certa culpa por ter feito o homem que eu amava se esforçar por mim. Eu dou trabalho, eu sei.
Mas isso era só no começo, claro. Com o tempo, ele aceitava que o meu gozo era naturalmente mais difícil e eu concordava que ele precisava mais. Então, os esforços para conquistar o meu orgasmo reduziam enquanto eu sempre era convocada a, bom, digamos assim, demonstrar o meu amor. Claro que eu sentia que tinha uma responsabilidade maior, mas nunca pensei em me rebelar contra isso, afinal, o amor da mulher tem menos limites, deve ser mais exposto, demonstrado de mais formas, não é mesmo? O pornô tá aí pra confirmar. Volta e meia escuto os homens comparando “Fulana é a minha preferida, chupa melhor que siclana, bate palma com a bunda, cavalga bonito, enfia até a garganta” e tal, mas nunca ouvi ninguém comparar o que dois atores faziam, não tem um “esse mete mais rápido e chupa melhor, aquele enfia rebolando”. Se eu falasse isso pra alguém, certeza que iam me perguntar o que amor tem a ver com pornô. Nem sei se saberia explicar bonito e com bons argumentos, mas tem tudo a ver. A primeira vez que você ouvir um “acho que você poderia tentar me agradar um pouco mais, sei lá, usar a criatividade, experimentar umas coisas diferentes”, vai perceber que o pornô é um discurso que tá lá o tempo todo, no sexo casalzinho. No fim, parece que o amor sobra pra mulher mesmo ou que o afeto feminino é que tem que ser o ativo. O amor ajoelha no chão, lambe das bolas à chapeleta, amar o outro, engole o pau, como a si mesmo, até a garganta, até engasgar, até gozar.
Eu sei, tô bem ranzinza. Juro que nem sempre vi as coisas desse jeito. Tenho pensado assim agora porque quis botar minhas experiências na mesa. Uma vez, saí com um boy e, por algum motivo, começamos a falar do livro O professor do desejo.
“Tem alguma coisa nesses personagens atormentados pela sexualidade que amo. Acho que me identifico com isso deles se sentirem reprimidos e insatisfeitos”, confessei.
Ele levantou uma sobrancelha pra mim.
“Você se sente insatisfeita?”.
Assenti e dei uma colherada na sua tigela de açaí. Ele não disse mais nada. Depois, fiquei achando que podia ter se ofendido, já que a gente tinha transado algumas vezes. Mas, na real, ele podia ter perguntado. Insatisfeita como? Insatisfeita porque, de um jeito, parece incompleto e, do outro, parece insustentável.
O sexo insustentável é o segundo tipo. Eu descobri o que eram as fodas com relações de poder desiguais quando um cara enfiou um dedo em mim, no seco. Talvez nem soubesse escrever meu nome ainda. Vai que a minha mãe tivesse decidido escrever Wanessa com w? Decididamente, eu ainda não estava molhada, mal tínhamos começado a nos beijar. Ele meteu a mão por baixo do meu vestido, afastou a calcinha pro lado e enfiou o dedo, como se o espaço para ele sempre tivesse estado ali e o conhecesse muito bem, como se eu não fosse apertada pra caramba. Doeu, claro, foi pior que consulta ao ginecologista. Arregalei os olhos, surpresa e em choque, enquanto aquele dedo ia se enfiando em mim com indiferença. Não se importou com a reação, na real, ficou me encarando como se me desafiasse a reclamar e eu, acreditando desobedecer, calei. E fechei os olhos. E logo depois gemia conforme o movimento dos dedos — porque logo se seguiram mais dois. Lubrifiquei feito uma condenada.
Eu curtia o cara, achava ele interessante e inteligente, mas aquilo de enfiar o dedo sem ter esperado um pouco mais me despertou uns sentimentos confusos. De um lado, ainda me sentia atraída por suas qualidades, mas de outro, sabia que era um babacão. Ter consciência disso me fez descobrir o descompromisso com o prazer do outro e aprender que, com aquele tipo, era melhor eu aprender a buscar meu prazer por conta própria. Ele tá muito enganado se acha que vai me usar! Então, procurei me satisfazer em cada momento. Na posição que ele mais gostava, procurava a melhor inclinação de quadril para melhorar o ângulo da penetração. No boquete, prendia sua perna entre as minhas e me masturbava enquanto o devorava. Naquelas relações desiguais, me sentia livre e, ironicamente, respeitada. Acho que ter a obrigação de demonstrar qualquer coisa, sempre me travou. Nessas relações, isso não existia e, sem o imperativo, eu acabava querendo retribuir, me sentia poderosa por ter a escolha de ceder, ceder por mim, em nome do meu prazer.
Às vezes, lembro disso e tenho certeza que sou louca. Mas a maior loucura não é essa. É ter passado a procurar por esses caras, sabe, que têm essa coisa, que me deixam sem saber o que esperar. Às vezes erro feio, mas criei uma fórmula que até funciona bem. O truque é privilegiar a atração física e só não abrir mão de um mínimo de bom humor e bom senso (Primeiramente, Fora Temer). A regra principal, no duro, é não admirar. Quanto menos se aproximar do que considero o ideal, mas fácil ceder, não ter vergonha, me libertar de mim mesma.
O irônico é que nunca chego lá. E é por isso que tenho pensado tanto nisso, nesses dois tipos de foda. É por isso que me identifico com o David Kepesh, o personagem do livro. Quando chego perto de um sexo não tão seguro e ensaiado, recuo. Aprendo a amar aqueles que deveriam me libertar, tento reinserir a transgressão na norma, porque tenho medo do que quero ou porque não confio nos homens que não posso amar. É complicado. Quando me perguntam o que eu tô fazendo com o Jefferson, não sei o que falar. Tava encucada pensando que, talvez, tivesse me afastado demais dos homens que me entendem por medo deles me subjugarem sem a minha permissão, sem que fosse para o meu prazer. Esperava que Jefferson pudesse ser um meio-termo.
A verdade é que tô ficando entediada. Quase dois meses de fodas em que a gente reencena a primeira. E o problema não é nem a variedade ou a qualidade. Pelo contrário, a transa é realmente ótima, nada excede, nada falta, nada sai do lugar. Mas queria que saísse, eu queria. Queria ser só carne.
“Beibe, tem algum desejo que você gostaria de realizar, sei lá, uma fantasia…”
“Tipo algema e chicote?”, Jefferson pergunta debochado.
“É, tipo isso, mas pode ser outra coisa, qualquer coisa. Tô perguntando uma coisa que tu tenha vontade de fazer, não tô esperando que tu me venha com um clichê pronto”.
“Hum… fora fazer um ménage contigo e com aquela mina que tava me dando mole no twitter?”
Revirei os olhos e preferi nem comentar. Às vezes era impossível conversar sério com o Jefferson.
“Ah, cê já transou vendada? Acho que dava pra gente fazer isso… — Hum… Sabe uma coisa que eu tinha curiosidade? Transar sem penetração um dia…”
“Hum…” — Penetração era o meu mundo e ele sabia, mas, na hora, até que me interessei pela proposta. — “Certo. O que você imagina pra essa experiência?”, perguntei cautelosa.
“Sei lá, acho que a gente podia começar por um 69, né?”
Dei graças aos deuses por ele nunca ter ouvido a minha tirada clássica. Sabe por que se chama 69? Porque existem 68 posições melhores!
“Prefere de lado ou um em cima do outro?”
O texto acabou. E agora?
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