POR SEANE MELO

Cool for the Summer

La Belle Saison (2015). Topei ir pra uma reunião na casa da Luísa porque não tava mais aguentando passar as sextas-feiras em casa esperando o Jefferson se pronunciar. Às vezes, eu pensava em simplesmente parar de ficar de papinho com ele, mas, quando via, já tava puxando assunto no WhatsApp. Pra falar a verdade, eu já […]

La Belle Saison (2015).

Topei ir pra uma reunião na casa da Luísa porque não tava mais aguentando passar as sextas-feiras em casa esperando o Jefferson se pronunciar. Às vezes, eu pensava em simplesmente parar de ficar de papinho com ele, mas, quando via, já tava puxando assunto no WhatsApp. Pra falar a verdade, eu já tinha até maneirado um pouco nas conversas desde que encanei que ele tinha problema de ereção. Tive até uns pesadelos à noite. Ele ficava por cima de mim, tentava enfiar o pau mole usando o dedo pra dar uma enganada, e, quando não conseguia, soltava um “não é você, sou eu”. Claro que não sou eu, mano! Eu sempre acordava chateada com o Jefferson do sonho. Às vezes, até com o da vida real. Um dia, me peguei escrevendo um textão, dizendo mais ou menos que, se ele tinha algum problema, a gente podia resolver conversando, sei lá. Vai ver eu intimidava ele. Graças a deus, dei por mim antes de apertar a setinha de envio.

“Cê tava digitando há mil horas e nada de texto. O que era?”, ele enviou uns cinco minutos depois que apaguei tudo.

Fiquei feliz por ele ter entregado que ficava olhando meu status no aplicativo. Pelo menos dava pra perceber que não era por falta de interesse que a gente ainda não tinha se encontrado.

“Ah, o de sempre”, respondi.

“O quê?”

“Ué, pensando numa forma de te convencer a vir aqui em casa pra assistir uns seriados.”

“Uns seriados, é?”

“É”

“Quem tu tá querendo enganar?”

“Ninguém, Jefferson, só tô tentando variar nas formas de dizer que quero te pegar. Odeio ser repetitiva.”

O Jefferson era uma comédia. COMÉDIA. Comecei até a usar essa palavra que odeio de tão pilhada. Então, quando a Juliana chamou, topei na hora ir à casa da Luísa com a desculpa de provar as cachaças que ela tinha trazido de viagem. Ela disse que uma galera ia colar lá. Amigos de outros amigos da Luísa que também não tinham programa melhor. Se fosse como nas outras festinhas, a maior parte ia ficar na varanda, enquanto eu e as meninas ficávamos no sofá da sala de estar.

Juliana me perguntou como tava com os boys só pra me ver fazer uma careta. Tá osso, miga, tá osso, respondi enquanto me prometia que, na próxima ocasião, inventaria uma transa incrível só pra não parecer tão perdedora sempre. Também nem me dei ao trabalho de falar mais porque percebi que a pergunta era retórica. Ela tava animada demais, tava na cara que queria contar alguma coisa. E você? Como tá a vida de solteira?

“Menina, entrei no Tinder!”

Suspirei internamente. Ai, o Tinder. Quem tem paciência pra isso?

“Dei match com uma mina muito gata”, continuou ainda mais empolgada.

Oi? Antes de entregar minha surpresa, olhei ao redor pra verificar a reação do grupo e vi Luísa toda interessada, mas agindo com a maior naturalidade.

Acho que sou a última das que ainda se surpreende com isso, na real. Um monte de amigas já abriu o Tinder pra minas. Mas a Juliana me pegou de surpresa. Não parecia fazer nem um pouco o perfil dela. Ou talvez eu é que estivesse acostumada com ela namorando o Leo desde sempre. Começou a contar do encontro com moça e finalizou revelando que tinha transado com uma mina pela primeira vez.

Fiquei com um pouco de inveja, pra falar a verdade. Quando uma amiga hétero dizia que tinha ficado com uma mina, eu nunca pensava “que legal meus amigos abrindo os horizontes”. Meu pensamento tava mais pra “desgraçada, agora ela tá cheia de opção pra transar”.

Não sei se era por causa de toda essa história com o Jefferson, por estar tanto tempo sem transar ou pela súbita constatação de que tinha deixado pra lá muitas das minhas fantasias, mas fiquei pensativa de verdade. Tentei enumerar todas as minas que já tinham me dado bola. Achava bem pouco, sinceramente, pro tanto que eu era tomboy, era muito pouco. Eu devo ter a palavra hétero tatuada na testa. Só pode. A Luísa mesmo já tinha comentado sobre uns textos meus: por que tão hétero? Acho que falo muito de pau.

Voltei a prestar atenção na conversa a tempo de escutar Juliana contando que tinha sido bem normal. Ah, eu achava que podia ser estranho, mas foi muito tranqüilo! Me senti super à vontade, sabe? Eu não sabia. Na real, como eu poderia me sentir à vontade era a questão que sempre me vinha à mente quando pensava em uma experiência homossexual.

Teve uma vez que realmente considerei transar com uma mulher, no duro. O lance é que eu a conheci numa festa, todo mundo já meio alegre, e ela começou a falar putaria. A identificação foi imediata, fiquei louca com as histórias dela. Pelos relatos, também pegava mulher, mas a parada dela mesmo era homem. Quando me chamou pra gente combinar uma putaria com algum amigo, achei que seria tranqüilíssimo. Me sentia confortável exatamente por ela ser hétero e isso me fez ficar uns dois dias meditando. Quebrei a cabeça pra chegar em uma explicação razoável, só que no fundo, eu já sabia de tudo. Meu problema é que eu tenho um bloqueio por não saber o que eu faço na transa com uma mulher. Tipo, qual papel desempenho, sabe?

Eu sou bem mandona em geral, gosto de fingir que sou mulher de iniciativa, mas, na maior parte do tempo, é só impaciência mesmo. Sabe, precisa ver o tanto de tosquera que a gente não é obrigada aturar dos héteros. Tipo aquele lance de passar a quinta marcha e colocar a mão na nossa perna. Um pinguim conseguiria fazer melhor. O mais foda é que os homens parecem combinar de repetir as mesmas coisas. Mas, enfim, nem queria começar a falar mal, porque, apesar de não saber lidar com falta de criatividade, também não curto tomar a iniciativa. E não tem a ver com achar que mulheres não podem dar o primeiro passo. Foda-se isso. O lance é que gosto de quem me desafia. Eu finjo controlar a situação só até o cara me puxar pelo rabo, me girar e me derrubar na arena. Dei pra usar essas analogias com rodeio agora, culpa do meu repertório de erotismo barato conquistado às custas de leituras furtivas nos gibis de mamãe. Mas, juro, vejo essa cena nitidamente na cabeça. Sabe quando te puxam pela perna de surpresa e giram o teu quadril de vez te obrigando a mudar de posição? É disso que tô falando.

Tô dando voltas só pra não falar com todas as letras o que já sei há um tempão: eu sou passiva. Só que, quando eu penso em transar com uma mulher, isso me incomoda, sabe? Sei lá, se a bola tá pra jogo, tenho que jogar. É tipo chegar na casa de alguém e ver ele lavando a louça e varrendo a casa e não me oferecer pra ajudar. Pelo menos passar um paninho rápido, se é que me entende. Ia me sentir mal de não fazer nada.

“Cê tá calada a noite toda”, Luísa fala se sentando ao meu lado no sofá. Juliana e a maior parte das pessoas que eu conhecia tinham ido embora, mas, de onde tava, ainda via uns gatos pingados bebendo e fumando na varanda.

“Tava pensando nessa história da Juliana pegando uma mina”.

“Que louco, né?”

“Eu queria fazer isso, Lu”, desabafei. “Pô, eu vivo querendo me sentir sexualmente livre, mas nem consigo pegar uma mina!”.

“Ai, mano, num entra em vibe errada. Num é assim também”.

“Acho que as minas devem me achar hétero demais como cê fala”, lamentei. Luísa riu.

“Cê acha que esses contos eróticos me queimam muito?”

“Mano, cê encanou de verdade com isso”, comentou rindo ainda mais.

“Sério, pô! — Por exemplo, cê me pegaria?”

“Já disse que pegaria”, Luísa respondeu meio desconcertada.

Parei de olhar muito fixamente pra ela com medo de passar alguma ideia errada. Putz, ela tá achando que tô passando umas cantadas baratas! Ficamos em silêncio.

“Fico pensando se comigo seria tranquilo como foi com a Ju… — Acho que não, acho que eu ia querer ser ativa. Não sei se é bobeira pensar isso, aposto que as lésbicas não tão nem aí pra isso de ativa e passiva, né?”

Luísa balançava a cabeça rindo.

“Mas qual seria o problema de ser ativa?”

Só consegui falar depois da terceira tentativa.

“Ah, Lulis, é que eu não sei se chuparia legal”

“Mas cê num acha que tá antecipando um pouco as coisas? Primeiro fica com uma mina, depois sente em que vibe cê tá… — Cê já beijou uma mina pelo menos?”

“Não”

“É de boa”, Luísa disse com a voz arrastada.

Algo no jeito que falou me fez encará-la.

“É?”

[continua]


Acho que se eu explicasse que amo literatura erótica e que tenho como desafio desenvolver uma narrativa atual, pouco convencional_ para não dizer muito coloquial e um pouco ranzinza_ e, principalmente, baseada em um olhar completamente feminino do sexo, esse projeto perderia um pouco da graça, né?

De toda forma, se você curtiu esse texto (tem outros antes!), ficaria honrada demais em receber recomendações e comentários. Acho que também toparia receber uns convites para publicações, uns depósitos inesperados na minha conta bancária ou suprimento vitalício de tapioca.

Leia outros contos

Preencha o formulário abaixo e baixe gratuitamente "Como viver sozinha" e "O fim daquele medo bobo"