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POR SEANE MELO

Como paquerar alguém casado

Arqueei uma sobrancelha para ele – uma pergunta silenciosa – mas ele não era capaz de reagir

Ela parecia saber exatamente o que queria naquela noite. Ou sempre. Às vezes, quando estávamos no café e ela estava distraída com o cardápio, eu pensava exatamente isso: que ela era muito decidida. Eu nem sempre sabia o que queria. Ou só sabia de algumas. E, enquanto a assistia dançar à minha frente, pensava que também desejava me mover no mundo como ela, com a mesma firmeza e serenidade.

Eu não era a única completamente absorvida pelo bruxulear do vestido no corpo dela e pela satisfação que ela emanava naquela pista de dança minúscula. Em um dos raros momentos em que consegui desviar minha atenção, notei o olhar de um rapaz próximo a um dos cantos da pista, a uns dois metros de onde dançávamos. Em seus olhos, uma adoração reflexo da minha. Depois alguns segundos em que o observava, ele reparou em mim e sustentou meu olhar sem perder a expressão séria do rosto, só desviou o foco quando deixei uma mão escorregar da cintura para o quadril dela.

– Tem um cara que nem pisca olhando pra você – comentei no ouvido dela.

– Como cê sabe que ele tá olhando pra mim? Deve ser pra você – ela deslizou uma mão pela minha bunda e pousou um beijo em meu pescoço.

O rapaz na parede apertou os olhos, atento. Parecia não querer perder nenhum detalhe daquela interação. Arqueei uma sobrancelha para ele – uma pergunta silenciosa – mas ele não era capaz de reagir. Apenas se revezada entre me encarar e observar o movimento dela, que dançava de costas para ele.

– Acho que ele tá hipnotizado pela tua bunda – insisti.

Ela balançou ainda mais o quadril, me surpreendendo com o movimento e me obrigando a abandonar meu duelo de olhares com o estranho para encará-la.

– Ah, cê tá se divertindo, é? – perguntei.

– Cê tá com ciúmes? – ela devolveu apertando minha bochecha.

Abri a boca para responder que não, que ideia. Mas, no meio do caminho, percebi que não sabia a resposta para aquela pergunta. Tinha alguma coisa no olhar do rapaz que me deixava desconfortável, mas de um jeito que não era de todo ruim.

– Não sei.

Ela me puxou para mais perto dela, praticamente colando nossos corpos, deixando apenas alguns centímetros entre nossos rostos.

– Não sabe o quê? – Não sei se ouvi ou se li as palavras nos lábios dela.

Nem minha cabeça parecia dar conta de explicar. Talvez, no fundo, eu quisesse que entre eu e ela, o rapaz me desejasse, como para me assegurar de que eu era digna do desejo dela e de outros. Ou talvez eu achasse que eu e ele nos entendíamos, de certa forma, naquele desejo escancarado pela mesma pessoa. Também podia ter a ver com um certo orgulho de ser eu a pessoa que ela havia escolhido naquela noite. Mas havia ainda, sim, uma vontade de não dividir ela com mais ninguém, como se isso fosse possível.

– Me beija? – pedi.

Um sorriso lateral começou a se desenhar no rosto dela nos dois segundos que demoraram para nossas bocas se encontrarem. Esqueci do rapaz por alguns segundos (ou minutos) enquanto o cheiro da pele dela me abraçava e meu corpo se resumia aos encontros entre nossos lábios e línguas. Não sei se foi a minha curiosidade ou o olhar dele que me fez abrir os olhos. Como eu esperava (desejava), ele continuava nos encarando, agora com os lábios levemente entreabertos.

As luzes da balada, a distância e a miopia não me permitiam ver detalhes do rosto dele. Tudo o que eu podia ver eram traços bem marcados, que me faziam imaginar uma boca de textura mais densa e menos macia que a dela. Pensar nisso, me fez tentar capturar com os dentes o lábio inferior dela para não deixar escapar – e arrancar um gemido baixinho. Quando eu quase me perdia novamente no beijo, em frente a mim, ele molhou os lábios com a língua, recuperando minha atenção. Agora ele parecia menos impassível. Dava para perceber que trocava o peso do corpo entre as pernas e os dedos pareciam mais agitados ao redor da longneck.

Lentamente fui movendo a mão que repousava no pescoço dela para a nuca. Enfiei os dedos entre os cabelos volumosos e cacheados e dei uma puxadinha de leve. Observei enquanto ele acompanhava cada um dos movimentos. Encorajada pelo sucesso em atrair sua atenção para as minhas mãos, comecei a mover a outra, que ainda segurava o quadril dela. Passei lentamente pela bunda dela, sem apertar, apenas acompanhando o desenho de uma das bandas até parar no meio e voltar para a lombar. Com o movimento, consegui que ele soltasse um sorriso nervoso.

Adivinhando minha travessura, ela empinou um pouco mais a bunda e jogou a cabeça para trás insinuando seu pescoço para mim. Comecei a beijar o pescoço lentamente, me demorando em cada movimento na intenção de oferecer um show para ele.

– Ele é bonito? – ela perguntou.

– Aham – respondi sem abandonar minha tarefa.

Ela me envolveu em seus braços e lentamente começou a nos girar para que nós duas tivéssemos uma visão dele. Abafei o sorriso no pescoço dela.

– Isso não foi nada sutil – falei mesmo sem saber se ela conseguiria me ouvir.

Passei para o outro lado do pescoço dela para facilitar seu movimento e lhe garantir uma visão melhor do rapaz, ao mesmo tempo em que dificultava sua concentração, escolhendo seu ponto fraco, um pouquinho mais próximo da orelha, para chupar. Senti o corpo dela relaxando e o quadril buscando ainda mais o meu.

– Bota um dedo na minha boca – ela mandou.

Meu primeiro impulso foi achar que ela estava louca. Se fosse outra pessoa, eu teria arregalado os olhos ou apenas sorrido incrédula, mas ela não pedia nada que não quisesse. Tentei olhar ao nosso redor, na direção oposta a ele, para saber se mais alguém reparava em nós. Todos pareciam entregues à música. Coloquei minha mão esquerda no colo dela e lentamente fui subindo, apertei um pouquinho seu pescoço só para vê-la entreabrir a boca, então continuei meu passeio até que meus dedos tocassem os lábios dela.

Deixei meu dedo do meio apenas encostado na abertura da boca dela. Sem forçar uma entrada. Talvez seguir com o movimento fosse dar um passo além naquele jogo. Mas, sentindo minha hesitação, ela começou a passar a língua no meu dedo e me olhou como se repetisse a ordem. Não deixei ela esperar.

Enquanto sentia a língua dela deslizar pelo meu dedo, agora completamente envolvido pela boca dela, reparei que ela encarava nosso espectador sem a menor discrição. Ele tinha se encostado na parede mais próxima e parecia tentar esconder o volume na calça segurando a garrafa já vazia de cerveja na frente do quadril. Sua cara de constrangimento me fazia apostar que também estava corado, ainda que a luz baixa do bar não me permitisse ter certeza.

Julgando que já havia ganhado aquela batalha, ela tirou meu dedo na boca e sorriu inocentemente.

– Se você não parar é capaz do coitado ficar colado naquela parede a noite toda.

Ela soltou uma risada.

– Que nada, ele tá adorando! – olhou para ele mais uma vez, antes de se voltar pra mim – Eu disse que o Guilherme ia adorar te conhecer – disse e deu um selinho na minha boca antes que eu conseguisse reagir.

– Guilherme? Ele é seu ami… – Carina me puxou pela mão em direção ao rapaz, sem me dar chance de tirar minhas dúvidas.

– Vem, vamo tirar ele daquele canto.

No curto percurso entre nosso lugar na pista de dança e a parede em que Guilherme estava encostado,  tentei disfarçar meu constrangimento enquanto tentava elaborar minha confusão. Numa gavetinha esquecida da memória, ecoava a voz de Carina dizendo “nossa, o Guilherme ia adorar te conhecer”. Mas eu não tive tempo de puxar o fio da lembrança até chegarmos em frente ao rapaz. Carina soltou minha mão para abraçá-lo e finalizou a saudação com um selinho, antes de virar novamente para mim.

– Essa é a Ana. Ana, esse é o Gui, meu marido – sorriu para nós dois – Eu tava doida pra vocês se conhecerem.

Como nenhum de nós dois conseguia ser capaz de dizer algo, além de ficar vermelhos, Carina sorriu mais uma vez e apertou levemente a minha mão – Acho que a gente poderia procurar um lugar mais reservado, né? Guilherme ficou esperando que eu concordasse antes de assentir com a cabeça.

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