POR SEANE MELO

Abafar, gemer, silenciar

Eu já sabia que era invocada com cheiros, mas não tinha ideia de que também era com sons. Na real, não sei se sempre tive isso ou se é coisa de agora. Fico repassando uns acontecimentos na cabeça tentando descobrir se o que aconteceu significa alguma coisa, mas não sei nem por onde começar, essa […]

Eu já sabia que era invocada com cheiros, mas não tinha ideia de que também era com sons. Na real, não sei se sempre tive isso ou se é coisa de agora. Fico repassando uns acontecimentos na cabeça tentando descobrir se o que aconteceu significa alguma coisa, mas não sei nem por onde começar, essa é a verdade.

I

Acho que fui uma adolescente normal. Não transei cedo mas, quando rolou, também não tinha coragem de assumir pra todo mundo e fazia escondido. Às vezes, penso naquela época e fico com um pouco de saudades. Não tinha papo de problema sexual ou expectativa de foda incrível, a gente sabia que era amador e tava de boa com isso. Nossa única preocupação era com as possibilidades de lugares onde pudéssemos ficar sozinhos por pelo menos 15 minutos. Não perdíamos uma oportunidade, encontrávamos os locais mais absurdos e, muitas vezes, expostos, só pra disfarçar. Lembrando agora, percebo que eu tinha uma ideia meio deturpada de quanto tempo uma relação deveria durar, mas, principalmente, tinha uma ideia deturpada dos sons.

A primeira vez que gozei foi com um homem. Tinha uma ideia de como seria porque já tinha me masturbado até chegar muito perto, mas quando sentia que ia cruzar a linha, prendia a respiração e parava. Não sabia o que vinha depois da sensação que sobe e não queria passar por aquilo sozinha. A primeira vez que um homem me masturbou e me fez gozar, eu gritei assustada assim que senti o útero contrair. Como um reflexo, ele cobriu minha boca com a mão. Não me lembro de nenhum outro detalhe desse momento, exceto da mão. Me acostumei a transar com a mão dele abafando meus gemidos e um rock disfarçando os outros sons até que, com o passar do tempo, as medidas de precaução eram desnecessárias, nos tornamos profissionais nas fodas silenciosas e, mesmo sozinhos, não sentíamos falta dos ruídos.

II

“Você pode gemer, viu?”

Foi essa frase, dita por um cara que morava sozinho, que me fez perceber que eu transava silenciosamente. Sorri um pouco constrangida na hora. Eram 15h, eu estava desempregada, ele tinha decidido estudar pra concurso e a vizinhança cumpria o horário comercial. Ninguém ouviria uns gemidos a toa do décimo andar. O som das buzinas na rua, no entanto, chegava até nós. Reaprendi a gemer, só não lembro direito como, se foi de uma vez, se soou natural, se tentei gemer para que ele visse que eu gostava. Não percebi na hora, talvez o aprendizado tenha sido gradual. Só reparei no dia em que ele pediu pra me comer de bruços. Depois, ficamos nos olhando sem ousar perguntar o que tinha acontecido. Gosto de pensar que ele entrou tão fundo que expulsou algo de dentro de mim: minha voz.

III

“Posso te gravar?”

“Como assim? Cê tá pedindo pra me filmar?”

“Não, queria te gravar gemendo”, ele disse já pegando o celular.

“Não viaja”, disse sem saber o que falar. “Que coisa estranha, cara”

“É que me dá tanto tesão…”

Foi esse pedido que me fez gostar dos meus gemidos. Antigamente, eram só sons inevitáveis. Nem sabia muito bem como lidar com eles. Às vezes saiam estranhos, pareciam choro. Outras vezes eram guinchos agudos, quase ganidos. Eu gostava quando eram só uma respiração cortada ou um som que não saia ainda que a boca estivesse aberta. Teve até uma vez em que achei um pornô feminista e gamei na historinha sado-maso. Fiquei assistindo e reassistindo pensando em como o inglês combinava com uma boa foda. Quando encontrei o cara com quem tava saindo, não deu outra. Soltei um “oh yeah” que reverberou no quarto. Ele emendou logo um “COMO É QUE É?”. Me fiz de desentendida e achei mais seguro continuar com meus hums, ahhs e anhs.

Tosqueiras a parte, a verdade é que depois que meu gemido se libertou, não teve como voltar atrás. Não teve mãe, colega de apê ou vizinho que o calasse. Tinha vontade própria, era descontrolado. Pelo menos acham bonito, eu ponderava. Eu gemo pra porra mesmo, essa é a verdade. Pelo menos era o que achava até reencontrar o Mateus.

IV

Quando topei sair com ele, me prometi que ia ser uma exceção e que não ia encanar com nada, mesmo se fosse ruim ou, pior, muito bom. Como temia, foi muito bom, só que não do jeito que eu imaginava. Meio que deu tudo errado. A gente quis sair antes e acabou ficando morto de cansado. Quando chegamos em casa, a pegação foi tão preguiçosa que parecia até romântica, sabe? Em um momento, ele puxou o lençol e disse que queria me chupar. Manda ver. Quando ele deslizou a língua na minha buceta pela primeira vez, um gemido escapou. Escutei aquele som e, pela primeira vez, achei estranho. Queria silêncio. Prendi todos os gemidos na garganta para me concentrar apenas em um estímulo, a língua do Mateus deslizando em mim. Gozei. E gozei.

Fiquei encarando o teto.

“O que houve, gatinha?”, Ele perguntou depois de enxugar a barba ensopada de buceta em mim.

“Acho que tô há um tempão sem gozar com oral”, confessei.

“Nossa, cê anda mal servida de transas, heim?”

Balancei a cabeça. Internamente tava revirando os olhos. Os homens sempre acham que é uma questão de saber fazer, mas não é. Pensei no que poderia ter acontecido de diferente e, na mesma hora, soube que era o silêncio.

Percebi que a última vez que havia gozado com oral, tinha uma mão na minha boca. Mas, sei lá, não era a mão, talvez nem o gesto, o segredo era o silêncio. Era o que eu precisava calar. Achei engraçado que isso tivesse acontecido naquele momento, com ele. Não posso voltar pra isso.

“Acho que eu só me sinto muito à vontade com você”, expliquei.

Ele não viu no escuro, mas estava corada.

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