POR SEANE MELO

Nudes leves

você manja dos nudes leves, o que eu mando? como eu mando?

você manja dos nudes leves, o que eu mando? como eu mando?

Fonte: Lábios Livres

Começou com uma mensagem “miga, me ajuda”, que podia significar qualquer coisa. Desde um pedido de link para um meme idiota a uma informação sobre como declarar o imposto de renda. Não me abalei. Abri a conversa com Miguel para responder sem imaginar que o que seguiria daquela mensagem, em alguns dias, me faria tremer da cabeça aos pés e hiperventilar.

Na verdade, minto. Eu que comecei, mesmo sem saber. No dia em que voltei da aula de dança e tirei uma foto de calcinha, deitada na cama, porque me sentia particularmente gostosa. E, depois de confirmar que estava mesmo gostosa, abri o chat com Miguel para reclamar que era uma pena ter uma foto tão boa e não ter para quem mandar.

Miguel sempre foi o amigo com quem eu podia falar essas coisas. Era a pessoa do sexo oposto com quem me sentia mais à vontade para contar da minha vida sexual sem sentir que estava cruzando uma linha ou complicando as coisas. Tudo era fácil com ele.

Desde que nos tornamos amigos, conversávamos abertamente sobre qualquer coisa. Ele me falava sobre inseguranças e medos — coisas que um homem nunca contava para os amigos — e eu compartilhava desejos e informações íntimas demais. O arranjo dava certo porque nos pegar nunca pareceu uma possibilidade. Para mim, pelo menos. E não é que Miguel fosse feio. Pelo contrário, era lindo de doer. Mas quando ele me olhava, eu não encontrava, em nenhum lugar da sua expressão, o menor sinal de desejo. E quando um não quer, dois não brigam.

Então, quando falei da foto de calcinha foi mais um dia normal na nossa vida. E o ruivo?, Miguel perguntou ironicamente. Respondi com um emoji chorando. Depois de alguns minutos:

– Mas, miga, cê mandaria mesmo essa foto se tivesse alguém?

– Ué, mandaria. Eu tô gostosa! Hahahah

– Mas, tipo, cê não tem medo de mandar nude?

– É que nem é um NUDE, migo. É um nude leve, de calcinha e tal, saca. Eu gosto de tirar essas fotos. Queria até saber fotografar melhor, como você, pra fazer umas paradas mais artísticas

– Deixa eu ver sua foto kkkk

– Tá. Mas se você não gostar, não me diz!

– Ai, que droga. Me diz sim. Vou mandar

A interação que se seguiu não mudou nada na nossa amizade. Um mamilo aparecendo podia chocar o Instragam, mas não Miguel. Prova disso foi aquela mensagem “miga, me ajuda”, que ele me enviou meses depois.

– Então, arrumei uma paquera! kkkk

– Ahhhhhhh, olha só quem achava que tinha perdido a mão

– Quem é?

– Ela não é daqui. Mora no interior.

– hmm… e como isso aconteceu?

– ah, foi pelo insta. Mas depois te conto direito. Preciso da sua ajuda agora.

– diga lá

– então, é que a gente já tá conversando há uns dias. e, sabe como é, conversa animou agfddfd. e… ela me mandou um nude. nude leve hahahahha

– certo

– daí que agora eu preciso retribuir. mas eu não sei como fazer isso

– como assim não sabe, migo?

– eu não quero mandar só uma foto do meu pau. ninguém quer ver pau

– HAHAHAHAHAHAH. AI, AMIGO, EU TE AMO

– Ok, me ame, mas me ajude, crlh. você manja dos nudes leves, o que eu mando? como eu mando?

– putz, pior que esse é uma pergunta difícil. tipo, acho que só um cara que me mandou nude, mandava umas fotos bacanas. Normalmente é só foto de pau mesmo. Os caras não mostram uma bundinha. Metem close na piroca…

– Miga DDD: eu preciso que você me diga o que é BOM, não o que é ruim. o que o cara que mandava fotos boas fazia?

– deixa eu ver… acho que tinha uma luz interessante nas fotos, isso cê manja. e ele nem sempre mostrava muita coisa, sabe? tipo, a primeira foto acho que eu fiquei curiosa porque não dava realmente pra saber se o pau dele era grande. A foto só mostrava uma parte e daí cortava e eu fiquei: nossa, será que tem muito mais ou acaba onde a foto cortou kkkkkkk

– certo. boa.

Mas, nem aí, nada tinha mudado quando fui dormir às dez da noite, achando graça do pedido de Miguel. Na manhã seguinte, acordei com notícias auspiciosas. A moça tinha amado, tinha enlouquecido e prometido pegar o primeiro ônibus do dia seguinte para ir sentar em Miguel. Ainda sonolenta, sem criar coragem para levantar, sorri do exagero e juntei minhas forças apenas para digitar “mentira! deixa eu ver”. Miguel negou. Tá louca? Tem meu pau. Mas o que era uma foto de pau na nossa amizade? Nadinha. Cê já viu meu peito. Quase voltei a cochilar, enquanto Miguel digitava. Tá bom! Vou mostrar só porque ela disse que era uma foto muito boa e tô orgulhoso.

Quando a foto chegou, nada estava diferente. E assim continuou enquanto eu confirmava que queria fazer o download. Antes de clicar para abrir a imagem na tela, ainda hesitei por alguns segundos. Mas não por receio de qualquer fissura em nossa amizade. Era apenas que ainda não eram nem oito horas da manhã e eu ainda lembrava de Miguel falando que ninguém queria ver foto de pau. Mas àquela altura eu já tinha concordado em ver e Miguel poderia ficar aflito ou preocupado se eu não comentasse nada. Cliquei na imagem pela nossa amizade, mas imediatamente soltei um gemido de dor e tentei sufocar com a cara enfiada no meu travesseiro.

Miga? Como eu não respondia nada, Miguel mandou mensagem. Migo, cê não deveria ter me mandado isso, consegui responder, antes de voltar a encarar o teto infeliz. Do outro lado da tela, Miguel sorriu. Pareceu entender o que eu tinha dito, mas não tinha entendido nem a metade. Não ficou boa?, era uma pergunta retórica. Porra, tô imaginando o tamanho do seu pau agora. Foda que a grossura já é perfeita, chorei na minha cabeça. Ficou ótima. Cê entendeu exatamente o que eu quis dizer.

Depois da maldita foto no espelho, sem camisa e com uma pequena amostra do que a cueca escondia, tive que admitir que a amizade tinha ficado um pouco diferente. Por que uma coisa era eu saber que Miguel era lindo, mas não tinha vontade de me pegar. Outra coisa era saber que ele era lindo e tinha o pau perfeito. O parte ruim é que continuava sem o menor interesse em mim.

Como se eu já não precisasse de espaço apenas para processar o fato de que meu amigo era um grande gostoso, o pior aconteceu. O nude provocativo de Miguel parecia ter realmente empolgado a moça e o próprio, ao ponto que trocar fotos se tornou uma diversão entre eles.

Miga, preciso de mais ideias pra fotos. Na noite seguinte, eu respirei fundo e tentei não chorar em cima da omelete que era meu jantar. Por mais dolorido que fosse pensar em ideias para sugerir — especialmente porque agora eu tinha informações o suficiente para dar a ideia e imediatamente formar uma imagem mental realista de Miguel e seu corpinho gostoso –, eu não queria deixar de ser uma boa amiga. E ele não tinha culpa de eu estar há 12 horas voltando praquela parte da foto em que o corte acontecia e o pau acabava sem acabar.

Tentei pensar em tudo que me ocorria e eu achava legal. Detalhes, mãos, fotos no banho, gotas de água, silhuetas no box talvez, pernas, bunda por favor. Miguel agradeceu, disse que ia testar e me contava depois.

Acordei com uma foto nova no dia seguinte. Um close de uma mão de Miguel repousada em cima do volume da cueca. Nada de outro mundo, mas com um bom ângulo e uma boa iluminação. E eu me peguei pensando se a moça de Miguel curtia mãos. Não era muito a minha vibe. Nunca reparava muito nas mãos dos caras. Mas olhar uma foto daquela às 7h30, me fazia pensar que Miguel tinha dedos grossos, poucos pelos nos dedos e unhas curtinhas. Parecia uma mão meio infantil, mas os dedos eram grossos e se alguém gostasse muito de mãos, ia gostar das de Miguel e daquela foto. E talvez se pegasse imaginando também como seriam aqueles dedos em outros lugares. Pressionando, abrindo espaço, roçando. Respondi com quatro estrelas. 4 de 10 ou 4 de 5?, Miguel checou. De cinco kkkk. A foto em si está ótima, mas falta um elemento surpresa, não sei…

Nas fotos no banho, Miguel tirou nota 10. Dez de cinco, porque ele tinha conseguido me fazer sofrer até com uma imagem em que só aparecia uma escápula. Migo, meu trabalho se encerrou por aqui. Sinceramente, nem eu conseguiria tirar fotos tão boas. Além de sofrida, eu me sentia humilhada. Mas eu não teria conseguido nada disso sem suas ideias, miga! Miguel tentou me consolar, mas só aumentou meu sofrimento.

Nos dois dias seguintes, acordei sem mensagens e fotos. Achei que devia me sentir aliviada e me sentia um pouco. Mas só um pouco. Tinha vontade de ver mais. De ser provocada por tabela. Meu cérebro me lembrava que Miguel tinha tirado as fotos com outra pessoa em mente, mas eu não era de ferro. E ver aquilo também me dava ideias, boas ideias, péssimas ideias.

No terceiro dia sem fotos — eu estava contando — Miguel me pediu mais uma ajuda. A última, eu prometo. Tentei pensar em algo, mas nada me ocorria. Quer dizer, se eu deixasse, minha cabeça até poderia ir longe, imaginando todas as formas em que eu gostaria de ver Miguel quase pelado. Mas eu não queria enveredar por esse caminho. Prometi que ia tentar pensar em algo para o pedido dele. Hm, sei lá, um negócio diferente kkkk.

Horas depois, um anúncio no Instagram me deu a ideia mais estúpida. Miguel nunca toparia, mas decidi mencionar mesmo assim para fazer minha parte de amiga e pelo menos dizer que eu estava tentando ajudar. Hm… é seria bem estranho. Mas, tipo…cê acha que isso é realmente legal?

Parei para pensar no assunto pela primeira vez. Sinceramente, não sei. Assim, acho que não é um fetiche meu, mas visualmente pode ser bem interessante. Miguel começou a digitar. Tipo, cê me emprestaria uma que você não quer mais? Sei lá hahahha. Não queria comprar só pra isso.

Encarei a tela do celular incrédula. Mas antes que conseguisse responder, minhas pernas já tinham me levado à cômoda e minhas mãos já vasculhavam a gaveta de calcinhas. Tenho uma preta e uma roxa que acho desconfortáveis. Perae, vou mandar uma foto. Miguel me pediu para separar as duas e combinou de ir buscar no sábado, quando tínhamos combinado de sair para jantar. Dobrei as duas calcinhas e coloquei em cima da mesa da sala para não esquecer de entregar. Não que eu achasse possível.

Quando Miguel chegou, eu já estava pronta para sair, mas tinha recebido uma mensagem de emergência do trabalho e precisava checar uns dados no computador. Abri a porta para ele e disse que ficasse à vontade, enquanto eu tentava passar as informações para meus colegas. Dez minutinhos no máximo. Durante o período em que abri a planilha para confirmar os números, escutava os movimentos de Miguel pelo meu apartamento. A porta da geladeira sendo aberta, água derramando, passos, a porta do banheiro fechando, abrindo, mais passos. Quando ele apareceu na porta do escritório, eu já havia conseguido finalizar a minha missão e tinha enviado todos os arquivos para a equipe por precaução.

– Já tô desligando o computador

– Beleza

Olhei para Miguel e sorri pela primeira vez. Finalmente podia aproveitar estar ali com ele, sem o peso do imprevisto nas costas. E quando ele me sorriu de volta com uma piscadela, minha cabeça voltou para as mensagens, as fotos e as calcinhas em cima da mesa.

– Antes que eu esqueça, deixei as calcinhas em cima da mesa pra você.

– Beleza — Miguel respondeu corando.

Ri para o chão e balancei a cabeça.

– Cê deve tá muito caído por essa mina, né

– Ela é massa — Miguel deu de ombros e me acompanhou saindo do quarto.

Quando cheguei à sala e vi o volume de tecido dobrado em cima da mesa, me ocorreu que Miguel só tinha bolsos, então dei a volta para procurar uma sacola. Quando voltei com a sacolinha de papel, Miguel estava em frente à mesa, segurando o volume, bem apertado, em uma mão. Abri a sacola e estiquei em sua direção para que colocasse as calcinhas lá dentro. Miguel hesitou por um instante me olhando, mas logo esticou a mão para depositar os lingeries. Mal escutei o barulho do tecido repousando no fundo da sacola e já fui esticando o pacote para entregar a ele. Mas, como uma dessas imagens de relance, quando abaixei os olhos para o ponto em que as mãos de Miguel encostavam no papel, percebi que o tecido na sacola era apenas preto.

Olhei para a mesa, para verificar se Miguel tinha pegado tudo, e ela estava limpa. Ele acompanhou meu olhar e, quando o encarei, ainda intrigada, percebi que estava ficando vermelho no pescoço. Voltei a olhar para a mesa, depois para a sacola, depois para Miguel constrangido à minha frente.

– Você ainda não me deu um abraço hoje — consegui dizer enquanto, na minha cabeça, uma barulhenta sirene de incêndio repetia Ele tá com a calcinha roxa, ele tá com a calcinha roxa.

– O quê? — Miguel ficou surpreso com meu comentário, mas logo abriu os braços, me convidando a me aproximar.

– Agora que cê tá com essa paquera nem quer mais saber se mim. — reclamei já com o queixo apoiado no ombro dele e repousando minhas mãos nas suas costas.

– Que drama, miga. Cê que tá sempre trabalhando. Sempre sou eu que te chamo pra sair.

– Não sei nada disso — continuei para ganhar tempo, enquanto tentava deslizar minhas mãos pelas suas costas o mais discretamente possível. — Sempre que cê me chama eu aceito na hora.

Quando meus dedos encostaram no cós da calça dele, senti os braços de Miguel me soltando, mas ele não se afastou. Passou as mãos para trás e segurou as minhas.

– Eu pensei que não fosse um fetiche seu — Miguel me provocou.

Desencaixei o pescoço do seu ombro e fiz menção de me afastar, mas Miguel continuava segurando minhas mãos no mesmo lugar. Tudo que eu conseguiria, se me esticasse, era ficar cara a cara com ele, ainda perto demais. Preferi esconder meu rosto no seu pescoço. Não sabia o que tinha dado em mim para tentar aquele movimento, a vergonha na cara chegava atrasada naquele momento.

– Eu… só fiquei curiosa — disse contra a pele dele, que estava dolorosamente cheirosa. Não é hora de pensar nisso. Senti ele estremecer um pouco, talvez pelo calor da minha respiração no seu pescoço, e reduzir a pressão nas minhas mãos.

– E se eu tiver com ela? — perguntou baixinho.

Inspirei profundamente, como se encher meu corpo de ar fosse a única coisa capaz de impedir que eu dissolvesse naquele momento.

– Eu vou morrer

Antes que eu percebesse, Miguel tinha soltado minhas mãos e colocado uma das suas no meu cabelo, me puxando para encará-lo. Dei um sorriso desafiador, mas ele não pareceu surpreso. Me pressionou contra a parede mais próxima e me beijou com vontade. Apesar de intenso, não foi um beijo apressado.

Na minha boca, a língua dele parecia repetir os movimentos que eu fazia com os dedos, acariciando a pontinha de renda que conseguia sentir com o pouquinho da minha mão que tinha conseguido enfiar na sua calça.


Este conto foi originalmente publicado na Lábios Livres, onde publico quinzenalmente histórias inéditas. Você pode conferir em primeira mão por lá ou me acompanhar por aqui!

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