não sou boa com caminhos e memórias, e ser boa em encontrar caminhos parece cada vez mais irreal
Querida São Paulo,
Nunca mais caminhei pelas mesmas ruas. Essa constatação parece estar rondando a minha cabeça aos pouquinhos nos últimos dias, como um animal que caminha lentamente. Em todas as viagens de carro dessa semana, me forcei a abandonar a tela do celular e investigar a paisagem na janela. Reconheci, sobretudo, nomes de farmácias e pensei que algumas ruas se pareciam com algo que já vi. Mas não sou boa com caminhos e memórias, e ser boa em encontrar caminhos parece cada vez mais irreal.
Parece que meus caminhos sempre me levam para longe de você. Parece que você não para de se mover. Não consigo mais reconhecer o que tive, o que fui, por aqui.
Tenho medo da sensação de reencontrar a rua Cesário Mota. Às vezes imagino que ainda tem uma versão minha esperando na estação República ou Consolação, eternamente, com o coração cheio, tentando conter um sorriso. Tenho receio de descer a R. Augusta e descobrir que nunca mais haverá motivo para ter pressa em chegar em casa. Que não há casa.
Há tempos não consigo mais lembrar as linhas de ônibus nas quais eu cortava a Rebouças ou as vitrines de lojas de vestidos de noivas que mais gostava. Mas nem parece um problema, já que há tempos não percorro os mesmos caminhos. E, ainda que percorresse, provavelmente descobriria que já não são os mesmos.
Hoje, na estação da Luz, vi uma paisagem familiar. O ângulo era completamente diferente, no entanto. Desde 2011 nos conhecemos, como nunca peguei um trem na Luz? Fiquei me perguntando se foram as fotografias da estação que tornaram aquela paisagem familiar para mim.
É tão estranho, São Paulo, esses caminhos novos, essas novas linhas de trem e baldeações. Tudo está sempre mudando sempre, meus amigos estão sempre mudando, as ruas vão ficando para trás com os dias. Às vezes tenho a sensação de estar em um corredor, uma passagem, com uma única direção.
O mais estranho, para mim, o mais estranho é essa sensação familiar. Nessa estação que nunca frequentei, nesse caminho para Guarulhos que nunca peguei: o mesmo coração partido.
Algum dia vou conseguir te olhar de outro jeito? Algum dia vai chegar nossa hora de novo? Em que parte dos meus sonhos eu te encontro?
Se chegou agora por aqui, obrigada por ler essa carta! Se quiser comentar ou me escrever uma resposta, eu adoraria saber o que você tem pensado sobre o amor e os relacionamentos.
Se você já me acompanhava, sei que esse formato parece estranho. Não está no nosso contrato que a autora vai deixar de publicar contos eróticos e publicar cartas (esquisitas) de amor. Mas a ideia dessa e de outras cartas tem me obrigado a sentar e escrever. Então peço licença para voltar a ser a autora do blog “e o mundo seguiu adiante…” como se o mundo não tivesse seguido. Espero que possa me acompanhar enquanto o sentimento durar. Prometo que os contos ainda virão!