Não sei quem é você, se você gosta ou não de Piña Colada, ou o que pode fazer com essa carta
Querido ouvinte,
Tem duas histórias sobre cartas e mensagens de amor que gosto muito. Uma delas, na verdade, é mais uma lembrança da minha infância, das férias escolares na casa da minha avó materna, no interior do Maranhão. Na zona rural de um estado do nordeste do Brasil, na década de 90, o rádio tinha seu lugar especial. Do momento em que acordávamos, ele era ligado e dava a toada de todo o dia. Conhecer um locutor era como ter um amigo famoso e conseguir que um pedido tocasse na rádio era nosso desejo diário. Algo que eu gostava muito na rádio, além da possibilidade de fazer meu pedido, era de dedicar a música para alguém e de escutar as declarações que os ouvintes mandavam.
Histórias como essa ultrapassam o interior do Maranhão. Ano passado, assisti a um filme coreano (Tune in for Love) em que uma personagem tentava entrar em contato com um amigo, deixando recados em um programa de rádio. Apesar de quase sempre pouco efetiva, fiquei pensando que, de certa forma, a ideia de recados românticos sempre me fascinou. Especialmente a dos recados de rádio. Por isso escolhi te escrever. Há quanto tempo você não escuta uma mensagem de amor?
Isso me leva a segunda história que gosto. Não sei se já ouviu algo assim, acho que isso é algo que uma amiga religiosa poderia ter lhe contado. Caso não tenha uma amiga religiosa, eu te conto. Dizem que, caso você queira um amor, você deveria escrever para Deus, explicando para ele que tipo de amor você espera. Até hoje, ouvi a história de duas pessoas diferentes que tiveram coragem de transformar em palavras seus desejos e logo encontraram as pessoas descritas naquelas folhas de papel. Não sei por que gosto tanto dessas histórias. Mas me fascina, mais que a realização, a coragem de dizer o que se espera de um amante.
Ano passado, essas histórias voltaram a minha cabeça e, sempre que amigos me perguntaram sobre o amor, brinquei que escreveria minha carta para Deus. Boa parte do tempo, eu não tinha realmente a intenção de escrever nada do tipo. Mas, esse ano, comecei a repetir para mim mesma que escreveria, talvez não para Deus, mas para mim, para alguém.
Desde que ouvi a história da carta pela primeira vez, pensei que seria uma tarefa impossível para mim. Escolher nunca foi meu ponto forte. Pensar em selecionar uma dezena de qualidades e vê-las se materializar em alguém, me parecia uma responsabilidade imensurável. E se, mesmo com todas aquelas qualidades, não desse certo? E se eu tivesse a prova de que não sei escolher o melhor para mim?
Quando decidi enfrentar meus receios bobos e apenas enumerar uma série de qualidades que poderiam ser razoáveis — afinal, eu não precisava levar a carta tão a sério — percebi que o problema nunca foi o outro. Mas o medo de limitar o meu desejo, fechá-lo entre o papel pautado e a tinta da caneta. Esse ano, quando repeti pela milésima vez que ia escrever esse recado, havia uma vontade nova e assustadora que eu nunca teria antecipado. E fiquei aterrorizada pela ideia de que o meu eu do passado pudesse tê-la deixado de fora da minha vida, caso tivesse escrito essa carta.
Deixei o caderno dentro da gaveta da escrivaninha por todo esse tempo. Não sei o que me fez recuperá-lo agora para escrever. Mas, depois de muito temer não me conhecer e deixar de fora um mundo inteiro de formas de amar, percebi que escrever não significaria me fechar. De certa forma, vejo essa carta como um esforço para esboçar pelo menos algumas linhas do que já conheço até agora sobre mim.
Querido ouvinte, sei que não estamos na rádio, mas se, como eu, você gostava da ideia de que mensagens de amor pudessem navegar e, quem sabe um dia, encontrar destinos inesperados, gostaria de compartilhar meus desejos com você. Não sei quem é você, se gosta ou não de Piña Colada, ou o que pode fazer com essa carta. Mas há quanto tempo você não ouve alguém confessar que procura um amor?
Escrevo isso para contar que eu procuro. Procuro alguém com quem eu fique feliz dividindo um café da manhã e que me faça sentir segura ao deitar. Alguém com quem eu possa dividir ideias e sonhar em construir junto. Alguém que entenda meu jeito de amar e que também me ensine a amar de outras formas quando for preciso.
Alguém que não enjoe de mim (posso pedir isso?). E de quem eu também não consiga enjoar. Alguém que esteja entre me surpreender e me fazer revirar os olhos pensando “lá vem isso de novo”. Mas alguém que um estranho não possa olhar com mais admiração que eu.
Alguém que eu não fira de um jeito que me cause vergonha. E que me faça querer ser melhor, mais carinhosa, menos violenta. Alguém que cuide de mim e de quem eu também possa cuidar.
Alguém que ache que acordar junto aos 70 anos vai ser a maior aventura da nossa vida. Alguém que nunca deixe os anos tornarem o contato físico esquisito. Que nunca hesite em me abraçar, que nunca pense que precisamos de um banho para isso (ainda que precisemos), que nunca se pergunte o que vou pensar. Alguém que apenas me abrace todos os dias e que divida risadas por motivos bobos sem nem perceber.
Alguém que, ao me encontrar, pense “cheguei” da mesma forma que penso ao chegar em casa e tirar os sapatos. Alguém que seja essa casa para mim.
Boa noite,
Até amanhã,
Continue sintonizado.