POR SEANE MELO

Cartas para o amor — Arthur

Há alguns dias, tenho pensado que preciso descobrir uma forma de falar novamente sobre amor

Há alguns dias, tenho pensado que preciso descobrir uma forma de falar novamente sobre amor

Querido Arthur,

Tenho achado que, em algum momento dessa longa amizade, houve um dia em que você disse que eu dava muita centralidade aos relacionamentos. Sei que você sempre duvidou da minha memória e da forma como escolho relembrar as coisas, então, antes que reclame, admito que talvez você nunca tenha dito isso. Talvez não com palavras, talvez não com essas. É possível que eu tenha entendido de algum comentário sobre outra coisa qualquer que você dizia enquanto avaliávamos o prato do dia do boteco da esquina. Uma coisinha rápida, antes de o garçom chegar para anotar nossos pedidos. De certa forma, isso ficou.

Desde 2008 ou até antes, alimentei um blog com textos sobre paixões e promessas de afeto. Você me dizia que eu poderia fazer melhor, expandir minha escrita, deixar de soar como uma adolescente que rumina pequenas dores de cotovelos que logo deixam de importar. Aos 20 e poucos anos, senti vergonha de ser essa aspirante a escritora que não saberia escrever sobre outra coisa que não o amor.

Talvez não tenha sido você mesmo. Talvez tenha sido só a vida e o imperativo de precisar ser um sucesso. Talvez você falasse dessas coisas com o seu jeito de se movimentar no mundo. De longe, eu te observava amar ambições, desejar um futuro, e pensava que eu também deveria ser assim. Mas não sei quando começou a dar certo.

Escrevo essa carta hoje, porque acho que você ainda vê isso em mim. Essa garota que tinha mais curiosidade em entender por que ele não ligou no dia seguinte do que em debater as questões da pesquisa do mestrado. Também ainda me vejo assim, na verdade. Mas sinto que não basta.

Esse ano completo três anos de terapia. E por mais que, no primeiro ano, eu caminhasse até o escritório pensando que queria falar sobre isso — sobre o amor, todos os fracassos e as esperanças — nunca consegui. Recentemente isso tornou uma questão. A ausência dos relacionamentos na minha fala é minha nova questão. Não é irônico?

Nunca escrevi um texto que não fosse sobre amor. Nunca, Arthur. Até hoje. Mas me tornei alguém incapaz de falar sobre ele. Você pode estar se perguntando por quê. E não se trata de um bloqueio, não é como se um trauma me impedisse de falar. Consegue ser pior, meu amigo. Em algum momento da minha vida, o amor romântico, é dele que falo, se tornou uma futilidade.

Fico esperando a hora em que o amor possa se tornar grande de novo. Não digo isso para a terapeuta, mas, ainda hoje, ainda que nunca fale sobre ele, eu espero. Escrevo essa carta porque, quando essa questão surgiu, lembrei de você e de quem eu era quando me conheceu. Eu sentia vergonha de ser como era, mas, sabe, era mais tranquilo nessa época. Quando não me sentia incapaz de levar a sério o quanto ainda desejo ser amada.

Eu caminhei muito e às vezes acreditei que podia amar, mais que qualquer pessoa, a escrita ou a sala de aula. Acreditei que me amar também seria suficiente. Mas, enquanto testemunho tantos futuros desmoronarem, penso que o ato de dizer boa noite para alguém que está ao lado é tão poderoso quanto plantar os pés no chão. (Eu me pergunto o que define solo com mais frequência do que deveria).

Há alguns dias, tenho pensado que preciso descobrir uma forma de falar novamente sobre isso. Então decidi te escrever essa carta, que infelizmente deve lembrar os textos que você não gostava. Mas não é uma retaliação. É que, realmente, você me deu a chave, quando notou que eu só sabia escrever sobre isso.

Vou escrever mais sobre isso, Arthur. Vou escrever cartas para o amor. Talvez isso me lembre de mim, do meu blog, das folhas de fichário com poemas ruins, de toda a cafonice, de todo o drama. Talvez isso me lembre de como sempre me senti: fútil, como o amor.


Se chegou agora por aqui, obrigada por ler essa carta! Se quiser comentar ou me escrever uma resposta, eu adoraria saber o que você tem pensado sobre o amor e os relacionamentos.

Se você já me acompanhava, sei que esse formato parece estranho. Não está no nosso contrato que a autora vai deixar de publicar contos eróticos e publicar cartas (esquisitas) de amor. Mas a ideia dessa e de outras cartas tem me obrigado a sentar e escrever. Então peço licença para voltar a ser a autora do blog “e o mundo seguiu adiante…” como se o mundo não tivesse seguido. Espero que possa me acompanhar enquanto o sentimento durar. Prometo que os contos ainda virão!

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