Recentemente adquiri uma obsessão, de leve a moderada, pelo grupo de k-pop BTS. E quando alguém como eu — prestes a completar 31 anos — repentinamente se vê perdidamente apaixonada por uma boy band sul-coreana que tem uma legião de fãs adolescentes, é difícil escapar à implacável questão: por quê?
Talvez essa seja uma questão que mais eu me faça do que realmente receba. Mas bastou uma amiga verbalizá-la para que isso ficasse rondando os meus pensamentos por alguns dias (ou semanas).
A princípio, achei que a resposta era muito simples: eu precisava de uma fuga. Um escape para o medo e a ansiedade gerado pela pandemia do novo coronavírus, para a escrita da tese de doutorado que está mais do que atrasada e para o meu completo desânimo em me manter em um trabalho assalariado de 40h semanais apesar de precisar do salário.
Assim, ficar maratonando clipes e vídeos dos sete jovens lindos do Bangtan Boys, que parecem performar uma masculinidade não-patriarcal — é assim que leio, confesso — através de danças, gestos, roupas e cabelos coloridos, foi uma espécie de pornografia que encontrei para dar conta de inflar os meus dias de um pouquinho de imaginação e desejo.
Apesar de nada disso ser mentira, percebi que era uma resposta simplista demais para o meu novo fascínio. Porém, só tive uma explicação melhor para pôr em seu lugar quando me deparei com uma notícia, do ano passado, que dizia que os membros do grupo iriam tirar férias pela primeira vez depois de 6 anos de shows, gravações e outros trabalhos intermináveis para a manutenção das suas carreiras de idols.
E, aqui, talvez seja preciso voltar um pouquinho e explicar algumas coisas. Mesmo antes de realmente me tornar uma army — nome do fandom do BTS — eu já sabia que a indústria do k-pop era realmente isso: uma indústria. Na verdade, ter consciência das inúmeras polêmicas envolvendo a quantidade de horas de treinamento e trabalho e os contratos abusivos desses artistas me fez ter um pouco de vergonha de assumir publicamente que eu já devo ter garantido vários views para o BTS e mais uma enorme pontuação no Spotify, sem falar de quando o dedo coça pra comprar um passe para assistir ao BTS Bon Voyage, a série de viagens com os membros do grupo.
Quando comecei realmente a admirar o BTS e querer acompanhar o que eles produziam, um leve medo do que podia estar por trás de todo aquele universo maravilhoso passou a me acompanhar. Comecei a pesquisar um pouco mais o que se dizia sobre a indústria e sobre as condições a que os artistas eram submetidos. A Superinteressante chega a falar de “Campo de Concentração do K-Pop” — um dos exemplos mais impactantes que encontrei, apesar de o texto ser relativamente mais moderado. Por outro lado, o K-Papo, podcast das autoras Babi Dewet e Érica Imenes, traz uma visão bem mais generosa, porém sem romantismo cego, do funcionamento dessas fábricas de artistas sul-coreanas.
Então, voltamos ao fio: o BTS passou seis anos trabalhando sem férias e eu não poderia me identificar mais.
Poderia passar alguns parágrafos falando sobre o doutorado, mas a academia está longe de ser o único motivo pelo qual eu me sinto esgotada. Na verdade, o motivo do esgotamento é que, desde que entrei na universidade, passei a sonhar com uma carreira em que eu pudesse me sentir orgulhosa do que faria. Apesar de desejar fazer várias coisas e de constantemente me pegar apaixonada por alguma nova atividade, só no ano passado consegui ter clareza de que a profissão dos meus sonhos não era assessora de imprensa (cargo que ocupo atualmente), nem mesmo acadêmica (carreira para qual dediquei toda a minha vida). O que eu queria mesmo era ser escritora e viver disso, mesmo sem acreditar que isso seja possível pra mim.
Para fazer um mestrado e um doutorado, eu tive que abrir mão de um monte de período livre. Seja quando eu trabalhava e estudava para os processos seletivos, seja, já como aluna regular, quando tinha que escrever os artigos das disciplinas nas “férias”. Além disso, quem é pesquisador sabe que você trabalha na sua pesquisa até enquanto toma banho.
Mas até aí é só um turno de trabalho. Para pagar as contas fazendo um doutorado (e ter um dinheirinho de sobra, pelo menos) e para aguentar a ansiedade em relação às oportunidades pós-defesa, escolhi voltar a ser uma “empregada”. Assim, passei em um concurso e comecei a trabalhar 8h/dia. E o emprego é ótimo, só não mobiliza aquela parte que sempre foi essencial para mim desde que aprendi a sonhar: meu desejo.
Para dar conta de alguma satisfação pessoal, então, era preciso um terceiro turno, que não encontra espaço na rotina normal. Talvez só nos feriados e em alguns fins de semana.
No último mês, quando comecei a consumir diariamente as músicas, clipes e conteúdos produzidos pelo BTS, o que eu estava vendo era o meu ideal de sucesso dançando na minha frente. Sem querer romantizar os relatos sobre horas insanas de estudo de canto e treinos de coreografias, além das duríssimas pressões estéticas ou as poucas horas de sono, quando eu vejo os sete membros cantando e dançando, vejo pessoas que tinham um sonho e conseguiram chegar lá. Pessoas que são capazes de um esforço do qual eu mesma não sou (e admitir isso é um passo importante pra mim).
Claro, o que esperávamos era que eles e ninguém tivessem que passar por coisas horríveis para chegar onde sonharam, mas a indústria do k-pop é apenas um filhotinho do capitalismo e os trabalhos nos quais nos lançamos para dar conta da nossa pulsão de vida faz parte da mesma lógica.
Até agora, ter descoberto essa admiração por eles não me fez encontrar uma motivação para tentar ainda mais. Por enquanto, continuo na fase do BTS-sem -férias-há-seis-anos, mas, sem dúvida, há algo aí que me fez lembrar do que é imaginar e desejar de novo.