
[Parte 1]
Dessa vez não é brincadeira, não vou fazer nenhuma piada, nem vou tentar. Isso que escrevo agora não é uma mensagem que vou te enviar pelo WhatsApp como tenho feito durante os últimos dois meses. É uma explicação que você não vai receber, é algo que quero escrever mais pra que eu mesma possa lembrar. Eu aceitei o papel de louca que você me deu nessa história, Beto. Espero que isso tenha ficado claro, tudo o que fiz até agora foi pra você entender isso. Não quis falar com todas as letras, porque odeio discursos óbvios, queria que fosse entendendo aos poucos. Eu sou a louca, Beto. Os seus amigos já devem saber, a sua garota (a que sempre imagino ao seu lado lendo as minhas mensagens), o seu irmão e a sua cunhada. Eles devem rir de mim quando você relembra essa história e quando informa que chegou mais uma mensagem. Alguém deve dizer que você se livrou de uma boa. Ainda bem que você pulou fora logo, outro complementa. Faz quanto tempo que ela manda mensagem mesmo?, alguém pergunta. Quase dois meses, você responde. Então o Guilherme diz que você deve ter um pau de ouro ou de mel. Algum homem fica pensando se o seu pau é grande e grosso. Eles não sabem de nada, mas alguém ainda diz: Amor de pica fica. Ou Amor de pica dura. Todo mundo ri. E eu também tô rindo, Beto. Uma risada descompensada de mulher louca, mas ainda assim tô rindo. Só não digo que minha risada é a última porque não sei nada de você desde que sumiu, não sei nem se leu o que te mandei, se não mudou de número. Porém me sinto realizada de todo jeito porque peguei esse lugar que você deixou pra mim e fiz o que quis com ele. E eu quis te mandar essas mensagens diárias por quase dois meses, quis decidir o que ia acontecer. Você sumiu e fiquei sem saber o que vinha depois. Não sabia se você tinha sumido pra sempre, se ia querer voltar algum dia. Às vezes me pegava pensando nas possíveis causas pra você ter sumido e, por um deslize, ia acabar nessa esperança de que reaparecesse com as respostas, com o arrependimento, com a camisola esquecida, com qualquer coisa. Depois de nutrir essa esperança silenciosamente por um mês, me recusei a deixar que você decidisse sozinho se ia ou não voltar. Queria participar e ficar esperando você voltar pra te dizer que “agora é tarde demais” ou te falar dessa música All You Had To Do Was Stay, da Taylor Swift — que escutei sem parar depois que você parou de responder — não era exatamente o tipo de participação que me deixava contente. E se nunca voltasse? Não queria ser a mulher paralisada, sem ação, a mulher em suspenso, aquela que precisa que você volte pra te recusar o perdão. Por isso, Beto, eu peguei o que tinha sobrado, o que você deixou pra mim, que foi esse papel de louca, de mulher que não aceita o fim, que grita, que esperneia, que fala sozinha pruma pessoa que virou as costas. Eu admiti, Beto, que tinha ficado mal por um cara que só vi quatro vezes, admiti pra você e pro mundo. E eu fiz mais. Você entende o que fiz? Você entendeu nesses quase dois meses? Eu participei, Beto, fiz questão de me certificar de que você não ia voltar. Peguei o que você deixou e desenvolvi minha personagem. E ela é louca, é carente, é irônica e não quer deixar de fazer parte da sua vida. Ela te conta sobre o dia sem se importar se você quer ou não saber, ela ainda te segreda alguns desejos sexuais, ela fala só, Beto. Ela não para de falar mesmo quando você tá dormindo, mesmo quando você tá no banho, ou quando vai pro trabalho, ou enquanto dirige. Ela fala na pausa do seu almoço, você não diz nada, pensa que não quer incentivar, é tipo dar comida pra cachorro de rua, mas ela não é cachorro. Eu não sou cachorro e não fiz isso pra pedir atenção. Fiz pra participar, pra ter certeza que morro só, mas você não volta pra minha vida, Beto.
Ainda me dizem que tô desperdiçando minha energia com você e que, s’eu parasse pra pensar, não teria passado quase dois meses te enviando mensagens. Eles têm razão, não sabem, mas continuo te escrevendo mesmo agora, mesmo sem te enviar, essas linhas são pra você, Beto. Eu fiz de você uma obrigação. Antes de dormir, me perguntava do anticoncepcional, se tinha guardado a comida na geladeira, conferia o despertador e tentava lembrar se tinha comprado abacate pra semana. E também me perguntava de você, Beto. Você recebeu mensagens depois das 23h porque eu tava deitada fazendo meu checklist mental e você era uma tarefa. Entrelacei minha vida à sua, Beto. Prolonguei, estiquei o que você quis cortar de uma vez sem esperar se desgastar com o tempo. Não faz sentido, eu sei, quase desisto, penso em parar agora mesmo, mas agora sou uma feminista ruim, não acredito nessa mulher poderosa, que diz azar o seu se não me quis, que segue em frente. Se eu fosse essa mulher, teria gastrite. Mas também não tô me humilhando, não é isso. Só não podia ficar de braços cruzados, porque você é um merda, Beto, porque fala “foda-se” demais e é muito irritante com essa mania de mansplaining. Achei que mansplaining era a palavra que eu ia aprender a usar com você, mas você me fez aprender outra, ghosting. Você é um merda e, quando você sumiu daquele jeito, conseguiu ser o mais merda de todos os merdas da minha vida. E eu sei disso, racionalmente sei disso, mas você sumiu e faz quatro meses. Você não sabe o que o tempo tava fazendo com a sua lembrança, ele tava construindo um homem impecável, o cara perfeito. Eu sei que não é assim, por isso, tive que te enviar essas mensagens, pra te imaginar aqui perto, pra lembrar das tuas merdas. A palavra final vai ser minha: foda-se, Beto.
Este trecho faz parte do livro Oi, sumido que estou publicando aqui, no Medium, e no Wattpad enquanto escrevo. Oi, sumido conta a história da série de encontros românticos e transas memoráveis entre Elvira e Beto, que foram interrompidas pelo sumiço inesperado do rapaz no WhatsApp. O fim abrupto, no entanto, é o início de uma saga, para Elvira, de descoberta de palavras, sentimentos confusos e vulnerabilidades. Sem se contentar com o sofrimento silencioso do abandono digital, a jovem decide aceitar o papel de louca que lhe sobra na história.