Uma carta-resenha do livro “De A a Z, eróticas” de Sheila Hafez

Sheila,
Escrevo essa carta porque não consigo escrever uma resenha para o livro De A a Z, eróticas (Ed. Laranja Original, 2016). Você deve saber que escrever erotismo é um ofício solitário. Tenho tentado fazer amizade com Anaïs, Hilda e Cassandra, mas, inúmeras vezes, me sinto muito distante delas. Acho que tenho te procurado por mais tempo do que imaginava. Somos muito diferentes, tenho certeza, mas ao te ler, quer dizer, ao ler as 26 mulheres que você escreveu, não pude deixar de me sentir próxima, por me encontrar em tantas linhas. Aliás, tenho a teoria de que você não apenas escreveu 26 mulheres diferentes, Sheila. Para mim, você escreveu um ano da vida de uma mulher — ou um mês, uma semana, metade da vida, uma fase. Conseguiu me mostrar pelo menos cinco mulheres que fui ou sou.
Quando li o primeiro conto do seu livro, fiquei muito surpresa. Quase não se assemelha a um conto e, para além disso, traz uma questão que volta e meia retorna durante o meu próprio trabalho com a escrita: isso é erotismo? Os homens dominaram a literatura por muitos séculos, por consequência, dominaram também a literatura erótica. Na academia, onde também são mais valorizados, puderam, para além de escrever a literatura, definir os gêneros, os conceitos e as regras. Eles definiram que isso que você escreve tem como personagem principal o sexo, que é uma narrativa sem tempo e lugar, e que tem por objetivo a excitação do leitor. Essa definição é facilmente contestável, é verdade, mas é difícil que ela se altere bruscamente sem livros como o seu.
Talvez o sexo possa ser considerado o personagem principal dos seus contos, afinal, ele é o elemento constante, de Amélia a Zoraide. Mas essa é uma leitura que me recuso a fazer diante da força que você forja às 26 faces femininas e da forma como elas caminham por ele. Essa única característica da sua escrita já me faz pensar que existe um abismo entre o erotismo escrito por mulheres e aquele escrito por homens, pois, como podemos pensar uma centralidade do sexo nas nossas vidas quando o domínio deste nos é tão veementemente negado? O sexo, no livro que você escreveu, não é sempre ato como estamos acostumados a esperar. Ele pode ser uma avalanche de hormônios e sangue, pode ser falta, recusa, impossibilidade. Aliás, é muito mais (im)potência que atualidade.
Tem outra coisa no seu livro que me abraça de inúmeras maneiras. São os seus homens, Sheila. Para mim, seus homens são como os que escolho amar. Eles são um processo. Nós sabemos de todos os trabalhos que, como mulheres, mães, filhas, avós e esposas, temos que equilibrar. Mas existe um outro trabalho do qual a sua escrita me fala com tanta clareza!

Raramente, em nossa vida, a excitação é algo que encontraremos pronta. A excitação, como a escrita, é um trabalho. Na verdade, poderia simplesmente dizer que a excitação é uma escrita. Nos homens que você apresenta, Sheila, eu enxergo esse trabalho de construção da excitação, a partir da costura de múltiplas camadas de desejo e expectativas em um corpo masculino. Especialmente quando li o conto Beatriz no inverno, senti que aquele homem e aquela noite na cabana não poderiam mais ser separados do olhar desejoso que ela própria lançava sobre eles.
Foi, já nesse segundo conto, que decidi escrever para dizer que te entendia. Mas, escrevendo, percebo que é você que me entende, Sheila. Em vinte e seis histórias, sou atropelada pelos fluxos de pensamentos dessas mulheres, seja sobre o sexo ou durante ele. Algumas vezes, ri de desespero e alívio. O alívio de saber que não sou a única que me pego, no meio de um ritual de conquista, perdida em pensamentos como “Tenho que adquirir um vibrador ainda nesta semana. A tecnologia pode me deixar mais calma, pois o caralho dele não fica pendurado e disponível no armário do quarto sempre que preciso”.

Por fim, queria terminar essa carta te agradecendo por me permitir enxergar tantas questões sobre o erotismo impressas nas tuas palavras. Teu livro é um ensinamento, Sheila, e um presente para a esposa, para a mulher mais velha, a grávida e a mãe, mulheres, geralmente, à margem da discussão sexual.
Para ouvir o podcast que gravamos com Seane Melo, clique aqui!
Essa carta foi publicada na iniciativa Mulheres que Escrevem. Somos um projeto voltado para a escrita das mulheres, que visa debater não só questões da escrita, como dar visibilidade, abrir novos diálogos entre nós e criar um espaço seguro de conversa sobre os dilemas de sermos escritoras. Quer saber mais sobre a Mulheres que escrevem? Acesse esse link, conheça nossa iniciativa e descubra!
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