POR SEANE MELO

Um é pouco, dois me deixa aflita

Fonte: Amores Imaginários (2010) Acordei atordoada me perguntando por que meus olhos estariam abertos se o quarto ainda tava na maior escuridão. Senti um arrepio no corpo encolhido e matei a charada. Jefferson tinha colocado o ar condicionado no talo e, pra completar, tinha puxado a coberta. Fiquei com raiva, mas segurei o impulso de […]

Fonte: Amores Imaginários (2010)

Acordei atordoada me perguntando por que meus olhos estariam abertos se o quarto ainda tava na maior escuridão. Senti um arrepio no corpo encolhido e matei a charada. Jefferson tinha colocado o ar condicionado no talo e, pra completar, tinha puxado a coberta. Fiquei com raiva, mas segurei o impulso de puxar o edredom todo de uma vez para não acordar o bonitão. Em vez disso, dei um puxão leve, de teste, e descobri que ele tinha rolado por cima de parte do pano. Desgraçado. Então aceitei a opção que restava e fui me aconchegar no calor do seu corpo, de conchinha. Deixei meu nariz pertinho do pescoço dele e, antes de cair no sono, só lembro de ter pensado em como era fácil estar ali.

Antes, quando ele começou a me beijar lembro de ter relaxado o corpo aliviada: tá normal. Também foi natural quando baixou um dos lados do meu sutiã e chupou meu peito. Nunca falei isso pra ninguém, mas eu odeio quando querem me comer vestida. É coisa minha, me dá agonia ver meu peito meio esmagado pela pressão do sutiã embolado pra baixo. Só que, naquela hora, achei excitante porque dava pra medir um pouco da vontade dele. Apertei a cabeça dele contra o meu colo para ver se, esmagados um contra o outro, nada de fora ficava entre a gente.

Quando amanheceu, meu corpo gritava de dor. Pelo visto, não devia ter ficado sem cobertor só naquela hora. Mas, no fundo, eu achava que a dor era alguma tentativa do meu inconsciente de me fazer ter uma ressaca moral. Tomei um café aguado que o Jefferson preparou e saí dizendo que tava atrasada pro trampo (tava mesmo) com um pedaço de pão ainda na mão. Dei um selinho de despedida. A gente vai se falando.

Na noite anterior, ainda lembro dele me puxar pela mão e me levar para o quarto. Antes que me empurrasse para a cama, troquei de lado pra indicar que queria começar por cima. Tudo corria bem, mas eu ainda tinha medo de dar um passo em falso e acabar pensando no Mateus. Por isso queria controlar, porque quando sou eu que tô fazendo só consigo me concentrar no movimento e não penso mais em nada. Em geral, isso é uma desvantagem, sabe, em vez de apreciar os estímulos o meu cérebro fica repetindo pula pula pula tenta rebolar tenta rebolar tenta rebolar, porra perdeu a coordenação, volta a rebolar volta a rebolar, não, não, a coxa tá doendo senta mais pra trás, senta mais pra frente, aí! não para de pular pula pula pula pula, pula devagar, puuuula, isso, puuuula puuuula reboooooola reboooooola, fica só na cabecinha-cabecin-cabe… Ali, não pensar parecia uma boa ideia.

“A gente devia voltar a transar mais vezes”, as palavras saíram da minha boca antes que tomasse consciência do que queriam dizer. Jefferson sorriu, passeando a mão pela minha bunda.

Fiquei o dia todo meio confusa. Que situação!, não parava de reclamar pra mim mesma. Até outro dia, tava super na do Jefferson, botando fé que ia ser uma experiência gostosa e que ia durar, sabe? E daí ele começou a ficar um pouco distante e deu uma sumida básica. Se quer saber, não conheço tanto ele, mas tenho quase certeza que ele tava a fim de pegar outra mina e num sabia como administrar. Enfim, não vou mentir que foi super de boa, porque toda vez que rola uma parada dessa parece que eu coloco mais uma mãozada de areia no meu prédio da desilusão amorosa. E ele já é imenso, dá quase um Palace II.

Daí, tava à beira de ter uma crise existencial porque o Jefferson, querendo ou não, tinha me dado a falsa esperança de que ainda tinha algum cara com quem dava pra conversar e transar, quando o Mateus reapareceu. O Mateus é foda. Parece que deu as caras só pra me lembrar como é quando tô empolgada com alguém. E ele me empolga demais, sério, num minuto a gente tá reclamando do trabalho e no outro eu já tô jurando que um dia dou uma chicotadas nele com certeza, se é isso que você quer.

“E eu vou te amarrar na minha cama”, promete.

Deu pra ver que o Jefferson curtiu quando eu tava no controle, por isso, acho, não quis deixar por menos. Colocou meus pés ao redor da cabeça e mandou ver. Porra, sempre esqueço como ele é foda. Fecho os olhos e ainda consigo ver minhas duas mãos fincadas nas suas pernas enquanto ele me come de joelho numa velocidade que eu não acredito. No final, ele gozou, eu não gozei, mas fiquei jogada na cama aliviada. Tem umas metidas que lavam a nossa alma, né? Felizmente, esse negócio de pensar em outro durante a transa é mais coisa de letra sertaneja e pagode anos 90 que realidade.

Conversei com a Luísa sobre isso e ela não vê problema na situação. Mas o problema, ainda não tive coragem de dizer pra ela, é que parece que nada acontece. Não sei se o Mateus desistiu de sair comigo de novo ou se ele só tá vivendo a vida dele achando que está tudo ótimo entre nós. A única coisa que sei é que não tá rolando uma dormida juntinho na frequência que descobri que queria.

Acho que vou enlouquecer. Ainda quero o Mateus, acho fácil estar com o Jefferson e as duas coisas não são excludentes, né? Então o que explica esse peso na consciência? Sempre curti esse papo de poliamor, mas, na real, talvez não tenha vocação pra isso. Ou talvez seja essa sensação absurda de estar transando em círculos.

Mas o raciocínio é bem simples até. É só pegar um “ah, já sei que a transa dele é boa e que ele não vai pedir pra mijar em mim”, adicionar um “vou poder sair e transar sem ter que passar uma semana conhecendo uma nova pessoa”, misturar com “não é como se tivesse chovendo possibilidade né?” e finalizar com um “preciso exibir esse um centímetro de bunda que ganhei depois de um ano de academia”. Pronto.

“E essa transa? Quando é que rola de novo?”, finalmente chega uma mensagem do Mateus.

Caralho!

“Que dia dá pra você?”


Chegou agora? Então espia esse link e dá uma conferida nos contos que vieram antes desse. Na real, dá pra ler tudo fora de ordem, de trás pra frente e até de cabeça pra baixo, mas você pode curtir saber um pouco mais sobre as coisas que a Vanessa tem que aturar.

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